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O livro do dragão-caixão

Sabe-se lá por quê, um jovem adulto pediu a outro que comprasse um livro com um idoso e um caixão na capa. Ao ver aquilo deixado ao acaso cá por casa, peguei no objecto à espera de ver o Bela Lugosi, o Vincent Price, o Boris Karloff metido no caixote féretral, com aqueles ares que só eles sabiam fazer. Mas reparei que havia uma bandeira do Futebol Clube do Porto e afinal o morto estava em pé, ao lado do produto da Servilusa. E, macaco, macaco, era o homem mais feio que os grandes actores de terror do cinema mundial. Era o Jorge Nuno, irmão do gigante Pinto da Costa – aquele que deu cabo do filme da autópsia do extraterrestre. (Rapaziada com menos de 30, ide ver estas coisas, que são de morrer a rir).

Ora ali estava o Jorge Nuno embelezando o caixão e a mandatória bandeira, sob um título que já se me foi, mas tudo aquilo a parecer a testamento e naftalina. Burro, em vez de pousar o livro, não. Peguei naquilo com o pensamento sinistro de qualquer pessoa que se dedica à escrita – deixa lá ver se descubro quem lhe escreveu a obra… Mas, à quarta página, senti-me derrotado. Com uma linguagem de escola primária, com um tom desafinado, com uma cadência que nem a pior banda filarmónica teria, eis um texto que só pode ser, mesmo, de um rapaz da futebolada.

Ainda andei uns dias a pensar se continuava a ler. E lá fui eu, a insistir, a insistir. Mas não percebi patavina. As primeiras páginas, de parágrafos curtos, letras garrafais e espaços entre linhas que dá para enfiar um comboio, Jorge Nuno conta como soube que tinha um cancro na próstata. E ri-se imenso com uma piadola que vai inventar dali a três linhas. Só ele e o médico (um Dr. Qualquer Coisa que Jorge Nuno apresenta como a sapiente sumidade sobre a doença), só ambos saberiam daquilo.

Mas Jorge Nuno não se segura e inventa a tal piadola: dirá a toda a gente que tem um “prostatite”, neologismo que ele próprio inventara para enganar a mulher e os amigos. E ri-se muito com a invenção, delira mesmo em dois parágrafos com a soberba arte de enganar todos na teia de aranha da “prostatite”. Pobre Jorge Nuno. Os outros, a quem ele dizia isto, ou eram ignorantes ou deixavam a vetusta figura dizer aquilo e pensar que era obra sua. É que nos dicionários existe há muito a palavra e quer dizer “infecção da próstata”. E Jorge Nuno ria para dentro e os outros ou o deixavam rir como um parolo ou abanavam o cérebro, mas não o crânio, não fosse o Presidente desconfiar.

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Enfim. O livro segue logo com um incidente financeiro, em que para ir jogar ao estrangeiro a FUFEFA, ou lá como se chama aquilo da bola, queriam guito e o Jorge Nuno não tinha, nem o clube, nem a empresa FC Porto, nada. E a história continua a ser contada em frases curtas, parágrafos mínimos, espaçamento entre parágrafos que se podem medir com fita métrica.

O dono do caixão perora sobre a forma como arranjaram o dinheiro. Houve um qualquer que lhes falhou com o graveto e ele e o Vítor Baía (eu deste lembro-me, era um buraco posto à

frente de um buraco maior), bem, o par alimentou-se a pregos e mostarda até arranjarem patacas para pagar à FIFANA. Mas só após venderam o Opusdei e o Castanhola — mas era bom porque já tinham comprado o Tímpano ao Ferroviário de Istambul.

A partir daqui, o livro torna-se num diário de uma Anne Frank das Antas, cheio de ódios, dinheiros, traições, amores passageiros, vinganças. Listas de pessoas que não devem ir ao funeral do senhor, enfim… Uma estopada em dó destemido.

Se me permitem: Caro Jorge Nuno, eu não ligo à bola, mas se era para fazer uma obra para a posteridade sobre um dirigente desportivo que conquistou tantos títulos, mais valia ser um livro decente, elegante, que podia escorrer ódio, vingança, queixa pessoal, sofrimento, mas com classe e elevação. Assim, parece a ementa do Pérola Negra. E, cá penso, não devia ser isto que V.Ex.a queria.

Ou, se calhar, era. Se sim, olhe, macaco, macaco, macaco!

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista, autor, (pré-agricultor).

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