Muito se tem falado — nas ruas, nas redes e até nas entrevistas com o presidente da Junta de Freguesia, José Pires — sobre o caso do mestre carpinteiro Jorge Batista, o último marceneiro de Castelo Branco. Há petições populares, indignações de ocasião e promessas políticas a pingar de compaixão. No entanto, todos sabiam há muito tempo que o destino do mestre estava traçado: teria de sair do espaço que ocupa há quase meio século
Jorge Batista cresceu naquela oficina que o pai abriu em 1977, quando a família regressou de França. Daí para cá, transformou-se em mestre da marcenaria, especialista em restauro, referência viva de um ofício que o tempo insiste em empurrar para o esquecimento. Mas agora, o novo proprietário do edifício decidiu dar-lhe outro destino. E o que é certo é que a autarquia assiste, entre discursos e fotografias, à morte lenta de mais um símbolo do centro histórico.
A ironia é evidente. Quando deu jeito, o presidente da Câmara, Leopoldo Rodrigues, lembrou-se de Jorge Batista. Levou-o à FIL, como artesão de vitrina, a representar o município na Feira de Turismo, entre stands modernos e sorrisos de protocolo. Serviu como cartaz de tradição, mas agora parece já não ter lugar na cidade que ajudou a moldar.
O discurso político continua a encher-se de palavras bonitas — “preservação”, “valorização”, “dinamização”. Mas, na prática, multiplicam-se anúncios de escolas de chefes e projetos milionários, enquanto se deixa morrer uma profissão que faz parte do ADN da terra. Não faltam cozinhas bem equipadas para formar novos gastrónomos; falta é visão para criar uma escola de carpintaria, onde Jorge Batista poderia ensinar o que aprendeu com as mãos e com o tempo.
Se a vontade política existisse, espaço não faltaria. A zona histórica está repleta de edifícios devolutos, muitos deles abandonados, transformados em ninhos de ratazanas e símbolos de desleixo urbano. Bastaria que a Câmara Municipal comprasse um desses imóveis e o devolvesse à comunidade. Seria uma medida concreta, económica e simbólica — um gesto de respeito pela memória e pelo trabalho manual.
Em vez disso, discute-se o despejo como se fosse uma inevitabilidade. A verdade é que, por trás das palavras redondas e das petições inflamadas, está a inércia de quem prefere o brilho dos projetos de milhões à madeira velha que ainda resiste.
O encerramento da oficina de Jorge Batista não é apenas uma perda individual — é um fracasso coletivo. É a prova de que, em Castelo Branco, a tradição só serve enquanto dá jeito para a fotografia. Depois, deita-se fora.
Quando se fechar a porta daquela carpintaria, não será apenas o fim de uma loja. Será o som de um martelo a calar-se para sempre — e com ele, mais um pedaço da alma desta cidade.








