Eis-nos mergulhados na pré-campanha eleitoral, reality show nacional onde os protagonistas trocam fatos por trajes de palhaço, mas sem a honestidade de admitir o disfarce. Luís Montenegro, o primeiro-ministro demissionário, encontra-se agora sob o microscópio da opinião pública, esquadrinhado como um insecto raro numa colecção entomológica. Cada movimento seu é dissecado com a precisão de um cirurgião bêbado: contas bancárias, almoços suspeitos, até o design duvidoso do seu cachecol. Mas eis que surge Pedro Nuno Santos, líder do PS, pronto para herdar o papel de vilão — ou herói, consoante a cor dos óculos do espectador.
Ambos parecem ter-se esquecido que, em política, os espelhos são armas de dois gumes. Enquanto Montenegro tenta limpar a imagem com um pano de microfibras, Pedro Nuno prepara-se para enfrentar o mesmo destino: uma autópsia pública onde até a marca da sua pasta de dentes será posta em causa. O Presidente da República, num surto de lucidez involuntária, resumiu-o: estas eleições são “pessoais”. Tradução: um thriller de traições onde o único suspense é saber quem cairá primeiro no buraco que cavou.
A Tragédia Grega (Sem Coro)
Parece inevitável: a máquina do escândalo, alimentada na net e notícias de encher-olho, já lambe os beiços ante a perspectiva de devorar Pedro Nuno. Os jornais preparam as manchetes — “O Passado Que Não Contaram!” —, os comentadores afiam as línguas, e o cidadão comum, entretido com o pão e circo das redes sociais, pergunta-se se alguma vez houve política sem pantomina.
Aqui, caro leitor, somos levados a crer que o apocalipse democrático está à porta. A abstenção, essa fera adormecida, ameaça engolir a participação cívica num só gole. Os partidos, em vez de ideias, oferecem bisbilhotices de vidas alheias; os debates, em vez de
diálogos, são duelos de egos em formato gladiador. Até os manifestos eleitorais se assemelham a listas de compras escritas por alguém que se esqueceu dos óculos. Tudo parece convergir para o mesmo desfecho: um país entorpecido, escolhendo entre a peste e a cólera, enquanto os verdadeiros problemas — a economia que chia, os serviços públicos que definham — são relegados a figurantes.
O Óleo da Salvação
Mas eis que, num golpe de génio digno de Eurípides — ou de um argumentista de telenovela —, surge a solução: uma luta livre grega entre Montenegro e Pedro Nuno Santos, ‘corpora delicti’ nus e oleados, perante as câmaras da nação. Imaginem o espectáculo: dois titãs da retórica vazia, entrelaçados num abraço que não é fraterno, escorregando sobre o suor da hipocrisia. O árbitro? Marcelo Rebelo de Sousa, claro, a assobiar para o lado enquanto os contendores aplicam golpes baixos aprendidos nos corredores da Assembleia.
Nesta arena, a derrota seria finalmente autêntica. Quem cair primeiro, perde o direito a chorar no Twitter. O vencedor? A abstenção, que, perante tamanho ridículo, se renderia ao riso — o único antídoto contra a asfixia do absurdo. E eis a novidade: num país onde o teatro político já é comédia, talvez só restem as gargalhadas para nos salvar. A campanha eleitoral, essa triste farsa, transformar-se-ia então num carnaval involuntário, onde o povo, em vez de boicotar as urnas, compareceria em massa… para votar no melhor lutador.
No fim, caro leitor, resta-nos a certeza de que, por mais que os poderosos tentem dramatizar o seu combate, a verdadeira vitória está no palco secundário: aquele onde nós, plateia resignada, aprendemos a rir das próprias tragédias. Se a democracia é um jogo, que ao menos seja divertido. E, quem sabe, talvez um dia, entre golpes de teatro e quedas épicas, descubramos que o óleo da luta grega não era metáfora, mas sim o lubrificante necessário para destravar esta máquina emperrada. Até lá, pachorra na mão e ironia no coração. O circo continua — e nós, como sempre, somos os melhores palhaços.