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À conversa com… José Manuel Barata-Feyo

O histórico jornalista, natural da Soalheira, com extenso e renomado currículo, conhecido do grande público, sobretudo da RTP e do seu programa televisivo Grande Reportagem, aceitou o repto d’ O Regiões para partilhar algumas das memórias mais importantes da sua vida, à margem da apresentação do livro do seu conterrâneo Daniel Proença de Carvalho, na terra natal.

À conversa com… José Manuel Barata-Feyo
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De postura discreta, mas plena de assertividade nos gestos e de franqueza no falar, destacou-se o olhar vivaço e tenaz de um jovem idealista no fulgor dos seus 76 anos. Não dispensou o cigarro, parceiro na hora da conversa, conferindo-lhe assim contornos de amigável cavaqueira ao invés da formalidade rígida de uma entrevista. Assumidamente “paisano e campónio”, encontrou na Serra da Gardunha, que apelida como sua, o refúgio perfeito para se dedicar a tempo integral aos livros, leitura e escrita, sobretudo de investigação histórica. Já tem seis publicados e promete mais para o futuro.

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Paris a salto e os mergulhos no Sena

Barata-Feyo fez o percurso escolar em Castelo Branco, Lisboa e Covilhã, antes de ir para Paris. Exilado. Em Portugal, a PIDE prendeu-o duas vezes; na primeira vez tinha apenas 13 anos.

Quando chegou a Paris, a salto, enfrentou duras dificuldades financeiras, próprias de um rapaz de tenra idade que se vê obrigado a largar o país para fugir ao regime autoritário e nacionalista do Estado Novo, nos anos 60. “Tive de trabalhar muito para me sustentar. Naquela altura, tinha-se de trabalhar, que é uma coisa que os portugueses não têm aversão, pelo menos lá fora”, afirma, relembrando que um dos seus primeiros trabalhos foi dar mergulhos no rio Sena por cinco francos (não equivale hoje a um euro), em frente à Catedral de Notre Dame.

Antes de ir para a capital francesa, já Barata-Feyo tinha o bichinho do jornalismo e colaborações regulares com a imprensa. Nos seus tempos de Liceu, em Castelo Branco, escrevia para a secção de Juvenil dos jornais regionais da época. Algumas das matérias chegaram a ser, inclusivamente, reproduzidas pelos jornais de Lisboa. Também os seus genes não foram alheios a esta sua paixão imensurável pela imprensa e pelos media. Na família, vários foram os jornalistas e as ligações estreitas com a área, sendo Francisco Rolão Preto, seu tio-avô, um dos mais conhecidos e influente opositor da ditadura salazarista.

Também por terras francófonas se licenciou em Filosofia, pela Universidade Paris Nanterre. Mas o seu caminho sempre o conduziu com naturalidade para o jornalismo. Estagiou em vários jornais franceses, até chegar a assistente do diretor do New York Times News Service para a Europa, África e Médio Oriente, e da diretora das emissões de língua estrangeira da Radio France International.

E é só depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, que o jornalista inicia a sua colaboração com a imprensa portuguesa.

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À conversa com… José Manuel Barata-Feyo
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“Jornalismo é a minha paixão, que me perdoem os meus filhos. É uma profissão que nunca deu para enriquecer, mas não a trocaria por nenhuma outra. Nos finais dos anos 70, praticamente não havia dinheiro para os correspondentes em Portugal. Eu lá ia fazendo as minhas despesas e mandando as faturas para Lisboa. Recebia apenas três ou quatro meses depois. Recebia em escudos e depois tinha de ir à figura, na altura conhecida como o barbeiro, para poder ir trocando o dinheiro em divisas e em dólares. Era um bocadinho militante”, confessou.


“Ser diretor de informação da RTP2 foi dos piores erros da minha vida”

Depois de seis a sete intensos meses de reportagem em África, em 1980, José Manuel Barata-Feyo estava de regresso a Lisboa para montar as reportagens televisivas, no âmbito do programa África 80: Cadernos de Reportagem da RTP2, quando recebeu o convite da estação pública para assumir a direção da informação do canal.

Na altura, a presidência da RTP estava a cargo do ilustre advogado Daniel Proença de Carvalho, seu conterrâneo, mas a relação entre ambos nem sempre foi pacífica, devido à inadequação do jornalista à função, justificada pelo próprio pelos “estatutos da RTP que, através da nomeação para os cargos, colocavam em toda a estrutura, desde o topo à base da hierarquia, pessoas estreitamente ligadas ao Governo”.

Três meses depois, Barata-Feyo colocou o cargo à disposição. “Demiti-me. Ser diretor de informação da RTP2 foi um dos piores erros da minha vida. A RTP era um instrumento ideológico do Estado, desde logo pela nomeação para os cargos. Fingia-se uma independência. Mas, de facto, qualquer redação que não fosse ao encontro das diretrizes superiores, a Administração da RTP fechava-lhe a torneira das verbas. Assim se fazia a censura e se implementava a ideologia governamental vigente”, acrescentou.

Porém, é também nesta altura que Barata-Feyo cria um dos mais emblemáticos programas jornalísticos que ainda hoje é recordado como exemplo de jornalismo exemplar de rigor e isenção: O Grande Reportagem, em 1981. O programa na televisão teve os dias contados a 25 de Abril de 1984, “numa ironia da democracia, pelo governo do Bloco Central”. Contudo, Barata-Feyo não baixou os braços e desenvolveu o formato Grande Reportagem para revista, que integrava toda a redação do programa de televisão, mais meia dúzia de jornalistas, entre os quais José Júdice e Adelino Gomes.


“A Guerra do Golfo, do ponto de vista jornalístico, não existiu. Foi uma treta”

No início do conflito do Golfo, corria o ano de 1991, prometia-se a guerra em direto nos ecrãs de televisão, numa cobertura tão exaustiva como nunca antes tinha sucedido. A CNN preparou-se para estar em direto a partir de vários pontos do Globo, de Bagdade a Washington, e foi ela que anunciou à aldeia global, unida pela televisão mundializada, o início da Guerra do Golfo. Porém, a anunciada guerra em direto ficou muito aquém das expectativas criadas.

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“Não nos deixavam ver, não nos deixavam ir às frentes de combate. Foi daqui que surgiu a célebre invenção do slogan algures no deserto, com diretos completamente falseados, feitos a partir dos locais mais inimagináveis. Algures no deserto chegou a ser ali na praia do Guincho por mão de um jornalista muito reputado em Portugal. Deveríamos de ter tido a hombridade de dizer que não noticiávamos, porque não nos deixavam ver. Em vez disso, começámos a inventar. A CNN teve muita responsabilidade nisso”, relatou.

A cobertura jornalística do conflito foi, em fase posterior, amplamente criticada, especialmente depois de terminada a euforia. Várias vozes se ergueram contra a ausência de contexto, recuo, edição efetiva da informação e, principalmente, contra os perigos de manipulação dos jornalistas e do público.

Depois de dois anos como provedor do leitor no Jornal Público, que terminou o ano passado, o ícone do jornalismo José Manuel Barata-Feyo regressou às origens e refugiou-se no campo, do qual ele próprio se sente uma extensão. Na Serra da Gardunha encontrou a tranquilidade necessária para empreender aquele que é hoje o seu projeto a full-time: escrever livros. Aguardemos pelo próximo.

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Filipa Minhós
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