Domingo,Maio 18, 2025
18.5 C
Castelo Branco

- Publicidade -

A economia do caciquismo

Quanto valem os serviços, empregos, negócios e privilégios, diretos e indiretos – atribuídos a familiares e amigos, assim como a parceiros e clientelas políticas – através de ajustes diretos mal justificados, consultas prévias adulteradas ou concursos públicos manipulados? Está muito dinheiro em jogo, está muita coisa em causa…

Comecemos por nos entender quanto aos conceitos: segundo o dicionário Priberam, caciquismo é o “sistema baseado no domínio ou influência de caciques”, sendo estes definidos como os “indivíduos que dispõem de influência política e eleitoral e que têm grande poder localmente”. Permito-me clarificar que esta influência e poder, em regime de caciquismo, distinguem-se da influência e poder democráticos, por excederem a autoridade (ou explorarem os seus limites e lacunas) que a lei e a ética democráticas admitem, ou por serem alcançados por vias ou métodos questionáveis ou declaradamente não-democráticos. O elevador social, desejavelmente movido pelo estudo e pelo trabalho, é aqui movido pelo descaramento e pelo chico-espertismo.

O regime de caciquismo alicerça-se em pilares bem conhecidos: a falta de transparência e de genuína prestação de contas, a ignoração dos direitos e poderes cívicos dos (e pelos) cidadãos, a debilidade dos valores éticos socialmente partilhados e culturalmente impregnados, as já referidas omissões e ambiguidades legais (claramente intencionais), a excessiva burocracia e a tácita discriminação/favoritismo que permite, a carência e dependência económica e administrativa da sociedade civil ao Estado, a instrumentalização política das instituições sociais e das coletividades pelas autarquias, o assalto e sequestro da coisa pública por indivíduos e grupos motivados por interesses particulares (senão mesmo criminosos), a constituição de “sindicatos de votos”, o carreirismo partidário (geralmente iniciado na “jotas”) e o tráfico de influências (intra e interpartidário, envolvendo também poderes fáticos).

Todo este edifício caciquista, assim estruturado, representa para os seus “inquilinos” um valor económico – e não só – que ainda não vi analisado, com o rigor da ciência económica (desconheço se alguém já o fez). Quanto valem os serviços, empregos, negócios e privilégios, diretos e indiretos – atribuídos a familiares e amigos, assim como a parceiros e clientelas políticas – através de ajustes diretos mal justificados, consultas prévias adulteradas ou concursos públicos manipulados? Quanto valem estas mesmas oportunidades, nunca atribuídas mas já plantadas na cabeça gananciosa, insegura ou dependente daqueles que ambicionam ter mais ou temem poder vir a precisar? Quanto valem os direitos absolutamente legítimos que muitos confundem com favores e privilégios, temendo não lhes poder aceder ou poder vir a perdê-los?

Esta análise dá uma tese de mestrado ou doutoramento. Mas a economia do caciquismo é isto, muitos milhões de euros que suportam uma rede de interesses e favores pessoais e para-institucionais ilegítimos, atuando na/à margem da lei, sem sentido ético e muito menos democrático. Uma espécie de ordem da selva, onde a lei é ditada pelos mais fortes: o cacique-mor, o “homem-sombra” e os seus acólitos. Quem se atreva a questionar esta ordem, é apelidado de desordeiro. Quem se atreva a lutar contra esta autoridade, é apelidado de populista. Quem se atreva a denunciar as suas malfeitorias, é apelidado de oportunista. Prevalece o instinto de sobrevivência e, o medo de perder o poder e os privilégios, leva a casta caciquista a não olhar a meios para afastar, quiçá destruir, quem a desafia. Está muito dinheiro em jogo, está muita coisa em causa…

- Publicidade -

Não perca esta e outras novidades! Subscreva a nossa newsletter e receba as notícias mais importantes da semana, nacionais e internacionais, diretamente no seu email. Fique sempre informado!

Partilhe nas redes sociais:
José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques

- Publicidade -

Artigos do autor

XÔ, MANADA!

Não está autorizado a replicar o conteúdo deste site.