Há algo de particularmente poético – ou trágico – na ideia de anunciar com pompa e circunstância a construção da “maior fonte do país” na zona da devesa na cidade de Castelo Brancos, sobre uma laje com mais rachas do que lógica. A cereja no topo? O modesto custo de 740 mil euros.
Perguntarão os mais céticos: será que os engenheiros da Câmara Municipal de Castelo Branco não notaram as infiltrações, as humidades crónicas e o cimento que já dá sinais de apodrecimento? Ou será que notaram e preferiram não estragar a festa do presidente Leopoldo Rodrigues? Afinal, interromper um anúncio tão imponente seria heresia política.
A Realidade que Se Escorre pelas Rachaduras
Para quem não sabe, infiltrações numa laje não são apenas questões estéticas. Segundo especialistas, as falhas na impermeabilização e no escoamento da água podem causar danos estruturais graves. Água acumulada infiltra-se, atinge barras de aço, dá início à corrosão, e o cimento – que deveria ser o herói silencioso da construção – começa a desmoronar como areia num castelo à beira-mar.
Mas em Castelo Branco, parece que se prefere ignorar as manchas de humidade e as trincas evidentes. Em vez de agir, anuncia-se. E não é um simples anúncio. É o anúncio de uma obra faraónica, cujo brilho é ofuscado por algo tão mundano quanto infiltrações.
Cegueira Técnica ou Estratégia Política?
Se a Câmara possui engenheiros técnicos, porque não se manifesta sobre o problema? É legítimo questionar se estamos perante um caso de incompetência técnica ou apenas de estratégia política: adiar as preocupações para não estragar a narrativa de progresso.
Enquanto isso, os cidadãos – ou pelo menos os que se dão ao trabalho de observar – assistem ao espetáculo com uma mistura de incredulidade e resignação. Como se 740 mil euros fossem trocos e as humidades, meros detalhes a ignorar.
A Infiltração na Laje da Gestão Pública
A questão não é apenas técnica; é simbólica. A laje com infiltrações é uma metáfora para a gestão pública que prefere maquilhar problemas em vez de os resolver. Num país onde tantas infraestruturas carecem de manutenção, construir a maior fonte sobre uma base instável não é só uma má ideia – é uma sátira em si mesma.
E enquanto os técnicos mantêm o silêncio, talvez para proteger as suas carreiras ou por simples desalento, o presidente continua a sorrir para as câmaras. Afinal, não são as rachaduras que aparecem na fotografia do anúncio.
Se há algo que Castelo Branco nos ensina é isto: mais vale uma fonte grandiosa na imaginação do que uma solução prática para os problemas do quotidiano. Por agora, resta esperar que a água da futura fonte seja menos corrosiva do que a política que a alimenta.
Notas Finais
Prevenir infiltrações é simples: manutenção, materiais adequados, atenção aos sinais. Mas em Castelo Branco, a palavra “prevenção” parece não constar do vocabulário oficial. Aqui, o que importa é o espetáculo, mesmo que a realidade escorra lentamente pelas rachaduras de uma laje esquecida.