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A irreverência no 25 de abril

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Quando liguei o rádio no dia 25 de abril de 1974 estava em Angola, em Sá da Bandeira (atual Lubango), depois de 22 anos passados no antigo regime e nove meses a prestar serviço militar. Só alguns dias depois entendemos verdadeiramente o que se havia passado, entre rumores de golpe spinolista, que dirigiria o Movimento das Forças Armadas, e a chegada de Álvaro Cunhal e Mário Soares que, do aeroporto da Portela, directamente contataram com António de Spínola, Presidente da Junta de Salvação Nacional.

Sim, estávamos confusos, todos, civis, militares nossos camaradas e mesmo altas chefias. A minha esperança passava por um movimento que acabasse com o tal “antigo regime” , autoritário ou mesmo fascizante. Sublinhe-se que meus pais e irmão sempre apoiaram a oposição, chegando a colaborar com o PCP e mesmo, no caso do meu irmão, como militante clandestino desde 1962, activo nas manifestações estudantis em Coimbra e mais tarde em Lisboa. Na madrugada de 25 de abril encontrava-se preso em Peniche, convencido de que não sairia tão depressa. Estava detido por ter colaborado num abaixo assinado de jornalistas, reivindicando mais liberdade de imprensa.

Apercebi-me da mordaça cultural na literatura e nas canções e peças de teatro proibidas, da injustiça dum colonialismo fora de tempo, dos moralismos e puritanismos rançosos (lembro-me do Beto, baterista do conjunto Windies de Luanda, numa visita à “Metrópole” em 1972, ter tido problemas com a polícia por usar o cabelo estilo “black power”…), mas nunca cheguei a sentir na pele a pobreza e a repressão que pairava naquele regime bafiento e isolado do mundo,

Experimentei os temores da guerra durante a prestação do Serviço Militar, mas depois vibrei com as alterações políticas, sociais e mentais que acompanharam aqueles primeiros tempos de revolução – com exageros mas muita esperança! Participei, enquanto militar, na construção duma Angola a deslumbrar a independência, acompanhando os primeiros contactos de membros do MPLA e UNITA, em 1975, que se vinham apresentar às tropas portuguesas no Sul de Angola.

Cinquenta anos depois, com cinquenta deputados que representam mais de um milhão de eleitores, alguns conscientes do partido em que votam, mas muitos outros frustrados e enganados pelo falso brilho do populismo, é altura para lembrar tempos em que na revolução também existia espaço para a diversão e a irreverência. Bramir mentiras e fabricar falsidades apenas serve para confundir e alienar legítimos descontentamentos, sem consciencializar ou apontar reais razões para tal acontecer.

Atrevimento, anarquia, confusão, tudo misturado e vivido intensamente! Gritos de liberdade partilhavam espaço nas paredes com slogans partidários e meras manifestações humorísticas, desbragadas e espontâneas.

O voto é arma do povo, não votes que ficas desarmado ou O socialismo está em construção, visite o andar modelo eram slogans que faziam sorrir, usando objetivos retirados do Movimento das Forças Armadas,

A sede por cultura livremente expressa fazia nascer palavras de ordem como A revolução não virá pelas armas, mas sim pelos livros ou A arte fascista faz mal à vista,

Da reforma agrária brotavam graças como A terra a quem trabalha, mortos fora dos cemitérios já ou O povo é quem mais ordenha,

À relevância revolucionária do Partido Comunista Português contrapunha-se Abaixo a foice e martelo, viva o black and decker ou Viva a dentadura do proletariado,

Ninguém se ofendia quando na parede de sua casa aparecia escrito Abaixo o odor corporal ou O sexo a quem o trabalha.

Também na alegria e tolerância, 25 de abril sempre!

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Joaquim Correia
Joaquim Correia
“É com prazer que passo a colaborar no jornal Regiões, até porque percebo que o conceito de “regiões” tem aqui um sentido abrangente e não meramente nacional, incluÍndo o resto do mundo. Será nessa perspectiva que tentarei contar algumas histórias.” Estudou em Portugal e Angola, onde também prestou Serviço Militar. Viveu 11 anos em Macau, ponto de partida para conhecer o Oriente. Licenciatura em Direito, tendo praticado advocacia Pós-Graduação em Ciências Documentais, tendo lecionado na Universidade de Macau. É autor de diversos trabalhos ligados à investigação, particularmente no campo musical

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