Nascem os jornais das televisões e nós, quais mestres de Tarot, já sabemos que as primeiras notícias são sobre o caos nos hospitais, o caos da segurança numa rua bem formosa que cabe na palma da mão. Um presidente louco, um par de guerras, um crime ou outro e os especialistas, a monte, pagos a 160 euros para darem doces e amargos discursos.
A vida torna-se tão óbvia como o sol em fogo: na Internet há notícias repetidas, vamos ver quem faz anos e damos os parabéns, ainda que aquela malta possa já ter morrido, mas ainda ali estão e a gente carrega, carrega, carrega.
Fazemos o percurso d’antes: estuda-se, trabalha-se sem ordenado e chega-se a casa para as novelas turcas dobradas em castelhano ou um policial de brutalidade tecido. Não há paciência para um livro, porque já é objecto tão distante como o ferro de engomar a roupa com brasas lá dentro. Nada nos interessa, porque a sanita vaza por baixo, o micro-ondas pifou, a gasolina diminuiu de volume com a mesma nota.
Os que se animam com o carro da empresa são completamente enganados – empresa enfia o carro nos custos e eles todos contentes com aquelas máquinas gigantes que nem bonitas são.
O burburinho nem sequer foi decretado nulo, mas as vozes ficaram viúvas. A ideia de recuperar músicas dos anos ’80 e ‘90 é um vómito hertziano, mas o saudosismo da juventude alimenta e animaliza os pobres de meia-idade, perdidos entre os amantes e os maridos completamente asseados e há muito decretados mortos de excitação e luxuria.
Há deus, mas deus de outra forma. A fé é metafísica kantiana, o deus surrealista e todos nós nos estamos marimbando para a pata que foi uma vez a Inquisição. História? Nem falem nela. O canal homónimo apresenta-me o meu adorado William Shatner, 93 anos, a falar de Óvnis e Fantasmas. Isso entusiasma, mas mais uso o programa das moças de biquíni e os rapazes contrafeitos de tronco nu, sem que haja ali uma conversa que me interesse.
A realidade aborrece-nos, apesar de hoje termos toda a informação e conhecimento nas mãos. Mas quem manda em nós, os esmagadores “Jornal das 8” ou o “Facebook” não nos mostram o que o James Webb e o Hubble acabaram de descobrir. Rimos com a explosão das naves do Musk. Estamos no rés-do-chão da nossa existência, palitamos os implantes que infectam putrefactos, de baratos que são. Queremos coisas. Queremos uma televisão de polegadas (e ninguém sabe o que são polegadas), com 8K, 120hz, som de bombos surround, mais 2000 euros para a inutilidade. Sou pitosga – tenho astigmatismo e miopia, sei lá eu ver pixéis de ricos, com 20/20 nos olhos.
Os chineses e os indianos, os mexicanos e os palestinos, os argentinos e os americanos – inimigos rápidos, solúveis, da amada Europa, pêlos costumes nossos e de outros. Mas prefiro a Ópera de Pequim, as danças de Bollywood, o Bolero, os cânticos religiosos, o tango e o Country. Anacrónico e de meia-idade, quero descobrir manhãs claras, novas alegrias, o amor: olho para a geração atrás, a geração à frente, a geração gemina e germinante de nada, todos em lamentos a encher psicodramas egocêntricos.
Caiu a muralha. É normal. Não foi cerco e ataque. Foi a curiosidade do mundo que quis fugir de gente assim, morta antes de morrer. É urgente. É tão urgente, deus que nem acredito, ajuda. É urgente.