1. O Espectáculo do Nada
Em tempos que já lá vão, quando o jornalismo se fazia com máquina de escrever e tinta no dedo, as histórias tinham princípio, meio e fim. Hoje, a SIC, sob a batuta do infatigável Pedro Coelho, oferece-nos um novo género: o thriller sem desfecho, a novela sem capítulo final, o enigma que se dissolve como açúcar na boca de um diabético. A penúltima produção? Um ataque cerrado a José Paulo Fafe, homem cuja criatividade e competência gestora poderiam erguer um império a partir de um café. Mas não. O que temos são insinuações, suspenses sem resolução, e um Francisco Pinto Balsemão cujo azedume para com Fafe parece rivalizar apenas com a sua colecção de gravatas.
A peça, dizem, é jornalismo. Chamo-lhe teatro de sombras. O protagonista, Fafe, é apresentado como um Houdini da ambiguidade, escapando sempre às acusações como quem dança o vira à moda do Minho. A equipa de Coelho, mochila às costas e entusiasmo de escuteiro em primeiro acampamento, persegue fantasmas com lanternas de pilhas gastas. E o público? Fica a esfregar os olhos, perguntando-se se perdeu um episódio ou se, afinal, a narrativa é só isto: fumo, espelhos e o cheiro a popcorn queimado.
2. O Abismo da Descrença
Entra em cena, esta quinta à noite na “Investigação SIC”, Luís Bernardo, assessor de imprensa e homem de negócios, cuja biografia daria um romance de Eça reescrito por Alberto Pimenta. A SIC, porém, prefere o folhetim. A “investigação” sobre Bernardo é um pastiche de meias-verdades e insinuações, como quem serve uma feijoada sem feijão. Bastava ir aos “bas-fonds” de Lisboa para saber agarrar a ponta – mas preferiram uma alegada reportagem que se limita a espreitar por uma fechadura embaciada, deixando o espectador a imaginar se está perante um crime ou um ‘happening’ de arte contemporânea.
Aqui, a desilusão instala-se. Se até os arautos da verdade tropeçam na própria retórica, que esperança resta? O jornalismo, outrora farol, reduz-se a Casas de Segredinhos de Cervejarias: personagens vilipendiados, vilões sem rosto, e uma plateia entorpecida por suspense eterno. Até os mais crédulos começam a duvidar: será que Pedro Coelho e seus acólitos não perceberam que, em vez de jornalistas, parecem – sublinho, parecem -figurantes de uma sitcom sobre jornalistas – tal como Pedro-que-manda faz no “Congresso de Jornalistas” que nunca mais é o “Congresso do Jornalismo” ?
3. A Revolta dos Fantoches
Eis a porca e de rabo torcido: a própria farsa torna-se redenção. Enquanto a SIC se entretém a cavar buracos no ar, José Paulo Fafe e Luís Bernardo seguem em frente, imunes às balas de papel. O primeiro deve ri-se entre dentes enquanto lança um novo projecto. O segundo, mestre das relações públicas, transforma o perfil televisivo em curriculum vitae
involuntário. Até Balsemão, na sua torre de marfim, deve reconhecer: o ódio que nutre por Fafe é, no fundo, a homenagem involuntária a quem não cabe nas suas narrativas minúsculas.
A ironia suprema? Quanto mais a SIC insiste em não provar nada, mais o público aprende a desconfiar… da SIC. As audiências desviam o olhar para fontes que, pasme-se, ainda acreditam em factos. E Pedro Coelho, sem perceber, torna-se o melhor aliado dos seus alvos: cada reportagem vazia é um certificado de irrelevância. E Pedro Coelho sabe bem mais do que mostra aqui. É, mesmo assim, capaz de reportar.
4. No final: Aos caçadores de fantasmas, sugiro uma lanterna nova. O escuro, às vezes, é só falta de pilhas.
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Nota: O autor conhece e admira José Paulo Fafe e interagiu várias vezes com Luís Bernardo, enquanto jornalista.