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A volúpia da estrada

Gosto de guiar, pelo prazer da condução e de ver os pensamentos fluir como se nascessem e desaparecessem à medida que a viagem avança, cada curva abre a porta ao desconhecido. Verdadeiro prazer e isso não depende da velocidade.

Foto: D.R

A ideia desta crónica surgiu ao assistir ao filme Le Man 66, onde “o artista” entra em êxtase ao conduzir um Ford GT40:

Há um ponto a 7000 rotações RPM, em que tudo se desvanece. A máquina perde o peso, simplesmente desaparece. Resta apenas um corpo a mover-se pelo espaço e pelo tempo. 7000 rotações RPM. É aí que encontras esse ponto. Sentimo-lo chegar. Vai subindo, até perto do ouvido. Faz-nos uma pergunta, a única pergunta que interessa. Quem és tu?

Percebo este arrebatamento, qual espasmo ou iluminação. O filme, realizado por James Mangold em 2019, conta a história, verdadeira, da luta entre a Ford e a Ferrari pela hegemonia nas corridas de resistência de carros desportivos, nos anos 60.

Lembro outro filme com cenas que revejo amiúde, onde Steve McQueen conduz um Ford Mustang, é ele mesmo ao volante, as derrapagens são verdadeiras e o som do motor invade-nos, sentimos “ cá dentro” quando reduz ou acelera: Bullitt (1968), de Peter Yates.

Mas, como disse, a satisfação vem mais da própria condução que da velocidade. Não gosto de carros “confortáveis, seguros, fiáveis”, continuo a preferir carros pequenos, nervosos, que precisam de ser orientados e desafiados, sensações que aprendi com os Minis. Enquanto guio há pensamentos obscuros que se tornam claros, consigo meditar seja da forma oriental ou ocidental, a mente pode ficar vazia ou plena de ideias. É o exemplo evidente do caminho ser mais importante que o destino. Faça chuva ou sol, a estrada é sempre boa companhia.

Há outro filme, este meio louco e estranho, onde a volúpia cresce com desastres de automóvel e más formações físicas e mentais. Em Crash, de David Cronenberg, um grupo de pessoas tem como fetiche sexual reconstituir acidentes automobilísticos sem nenhuma segurança, aumentando a excitação de todos. É uma cena doentia, onde o deleite está no perigo e mesmo na dor e sofrimento.

Desde há muito que esta minha atração pela estrada me tem levado a lugares longínquos, seja atravessar o deserto australiano ou ligar oriente e ocidente, percorrer a Route 66 ou subir rumo ao Ártico, sentir o calor da picada angolana ou as areias do Sahara. É um deslumbramento que não passa com o tempo.

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Joaquim Correia
Joaquim Correia
“É com prazer que passo a colaborar no jornal Regiões, até porque percebo que o conceito de “regiões” tem aqui um sentido abrangente e não meramente nacional, incluÍndo o resto do mundo. Será nessa perspectiva que tentarei contar algumas histórias.” Estudou em Portugal e Angola, onde também prestou Serviço Militar. Viveu 11 anos em Macau, ponto de partida para conhecer o Oriente. Licenciatura em Direito, tendo praticado advocacia Pós-Graduação em Ciências Documentais, tendo lecionado na Universidade de Macau. É autor de diversos trabalhos ligados à investigação, particularmente no campo musical

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