A greve da CP, que voltou a paralisar comboios por todo o país, pelo segundo dia consecutivo, abriu um novo diferendo na campanha. Luís Montenegro admitiu alterações à lei, defendendo que é preciso “conciliar o direito à greve com o exercício dos outros direitos das pessoas”. Onde o primeiro-ministro viu “influências políticas, partidárias e eleitorais”, os partidos encontraram culpas do Governo por não ter resolvido as negociações a tempo. O presidente do sindicato dos maquinistas, António Domingues, já avisou o primeiro-ministro para os riscos de alterar a lei da greve. A sugestão do chefe de Governo foi feita, esta quinta-feira, na sequência do impacto da greve dos trabalhadores da CP
A greve da CP entrou na campanha. De facto, a paralisação dos trabalhadores da CP e os seus efeitos sobre a vida de milhares de cidadãos entrou na campanha eleitoral. Luís Montenegro defendeu alterações à legislação sobre greves, enquanto Pedro Nuno Santos considerou que tal proposta seria uma “afronta à democracia”. Já Paulo Raimundo recusa entrar na polémica sobre a eventual alteração à lei da greve.
No passado, tanto Costa como Pedro Nuno defenderam “revisitar a lei da greve, mas para assegurar que situações limite não aconteçam”.
“Há uma desproporção enorme (entre os efeitos da greve e a questão laboral, que é legítima) e francamente, nós um dia vamos ter porque pôr cobro a isto”, considerou Luís Montenegro esta quinta-feira durante uma ação na Figueira da Foz. E foi mais longe, vendo “influências políticas, partidárias e eleitorais” na paralisação e prometendo uma mudança na lei.
O primeiro-ministro garante que o direito à greve não está em causa, mas esta quinta-feira durante uma ação de campanha na Figueira da Foz defendeu alterações à lei da greve de forma a conciliar o direito da greve com os efeitos que ela provoca.
“Entre os efeitos da greve, o prejuízo que é causado à vida das pessoas e à vida do país e a discussão laboral que é legítima que se possa fazer, há uma desproporção enorme. E francamente, nós um dia vamos ter que pôr cobro a isto”, defendeu Luís Montenegro.
O primeiro-ministro foi questionado pelos jornalistas sobre que alterações irá propor na lei, mas não quis entrar em pormenores dizendo apenas que é necessário conciliar o direito dos trabalhadores com outros direitos constitucionais.
“Nós temos de ter um mecanismo que garanta que o efeito da greve, eu não estou a pôr em causa o direito à greve. O que eu quero dizer é que nós temos de ter na lei mecanismos que permitam uma conciliação entre o direito à greve e os outros direitos. O primeiro-ministro não adianta, se é necessário, rever a Constituição, mas diz que um direito não se pode sobrepor a outros”, disse.
Insulto à democracia
Entretanto, o secretário-geral do PS veio a terreiro considerar inaceitável o “insulto à democracia” que acusou o primeiro-ministro de ter feito com a “ameaça de alterar a lei da greve” devido à paralisação na CP, assegurando que “não passarão”.
“Aquilo que o primeiro-ministro faz em plena greve é chantagear, é ameaçar os trabalhadores portugueses de uma alteração à lei da greve. Isso é inaceitável e eu quero dizer que não passarão”, respondeu aos jornalistas Pedro Nuno Santos durante o arranque de uma arruada na Covilhã.
“Há uma greve a decorrer com uma adesão de 100%. O Governo falhou na negociação e agora quer responsabilizar os sindicatos, os partidos”, condenou, admitindo que “não queria acreditar” naquilo que ouviu.
Procurando justificar o facto de ter defendido alterações à lei da greve há alguns anos, na sequência da greve dos motoristas de mercadorias perigosas e quando era ministro das Infra-estruturas, o líder do PS acusa Montenegro de “mentir” e de “misturar alhos com bugalhos” porque na altura se tratava de uma greve em que os serviços mínimos foram decretados mas não foram cumpridos e a paralisação dos motoristas estava a deixar o país parado.
“O ainda primeiro-ministro não é sério, faz da mentira um estilo de vida e compara alhos com bugalhos”, acusou Pedro Nuno Santos, esta manhã à chegada a Trancoso para uma visita ao mercado semanal e à Feira de São Bartolomeu. “Foi uma greve que parou o país, que impediu o abastecimento de infra-estruturas críticas e em que os serviços mínimos não estavam a ser cumpridos. Estamos a falar de situações completamente diferentes que não têm comparação”, argumentou o líder socialista.
“Temos muitos trabalhadores portugueses a serem prejudicados por esta greve há três dias e o principal responsável é o Governo. (…) No ano passado houve um acordo entre o Governo, a CP e os trabalhadores que pressupunha actualizações salariais ao longo de 2025 que não estão a acontecer. Por isso, o que temos é um Governo que não é sério, que não está a cumprir com a sua palavra e isso, obviamente, leva a que os trabalhadores se sintam revoltados”, descreveu.
Além disso, realçou que o executivo e a administração da CP “não assegurou que fossem decretados serviços mínimos”, ao contrário do que, voltou a recordar, fez quando era ministro das Infra-estruturas “e foram várias as greves e em todas foram decretados serviços mínimos” – algo que não aconteceu agora com a CP nem tinha sido feito com a paralisação do INEM.
“Casca de banana” do Governo
Por seu turno, Paulo Raimundo recusa entrar na polémica sobre a eventual alteração à lei da greve. O secretário-geral do PCP diz que está nas mãos do Governo acabar com a paralisação e que esta é mais uma estratégia da AD para marcar a campanha. Ou seja, para secretário-geral do PCP, esta é mais uma “casca de banana” do Governo para marcar a campanha dos outros partidos.
“O objetivo do Luís Montenegro é que agora passe aqui a comentar ‘ai, ai, ai, que ele vai atacar o direito à greve’. Ora, não é isso que a gente precisa agora. Isso é conversa para a gente se distrair”, diz, em declarações aos jornalistas à margem de uma iniciativa de campanha da CDU, em Beja.
Raimundo acrescentou que o que “é preciso é que o Luís Montenegro e Pinto Luz, ministro das Infraestruturas, assumam as suas responsabilidades e resolvam isto uma vez por todas”.
Paulo Raimundo assegura que “está nas mãos do Governo” travar a paralisação. Raimundo não dá crédito ao argumento apresentado pelo Governo que não pode assinar um acordo com os trabalhadores porque está em gestão.
“Não pode assinar contratos entre a CP e os trabalhadores, mas pode assinar contrato de dívida para todos nós, para contrair quatro mil milhões de euros para a guerra e para o armamento? Digam lá se isto não é uma casca de banana”, questiona.
BE: limitar direito à greve
Mariana Mortágua, em declarações aos jornalistas, à margem de uma iniciativa de campanha em Coimbra, afirmou: “Nunca ouvimos o primeiro-ministro preocupado nem com quem apanha os comboios, nem com quem trabalha nos comboios. E, de repente, a primeira vez que nesta campanha fala sobre trabalho é para dizer que vai limitar o direito à greve” .
Mortágua considerou que “Montenegro não entrou no comboio da luta dos trabalhadores, não quer saber de trabalho” e “utiliza a vida difícil das pessoas quando quer atirar trabalhadores contra trabalhadores”. “Não há uma palavra sobre redistribuir a riqueza para o trabalho. E depois todas as palavras e toda a violência e o autoritarismo é contra os direitos dos trabalhadores”, acusou.
Sobre eventuais alterações à lei da greve, a bloquista disse vê-las “da pior forma possível”. “Que um primeiro-ministro se lembre de falar sobre trabalho única e exclusivamente numa campanha para dizer que vai alterar o direito dos trabalhadores à greve revela bem o programa da direita, revela bem o programa do PSD e da direita para o país”, alertou.
Quanto ao timing da greve, Mariana Mortágua realçou que são os trabalhadores que decidem as “suas formas de luta em cada momento”, tendo consciência do seu impacto. “Mas o poder da greve também é esse”, sublinhou.
“Descontentamento dos trabalhadores pode resvalar para outras situações”
O presidente do sindicato dos maquinistas, António Domingues, critica a ideia de Luís Montenegro e avisa o primeiro-ministro para os riscos de alterar a lei da greve. “Isto, no fundo, é um retrocesso ao 24 de Abril de 1974. Há uma coisa que nem um ex-primeiro-ministro, nem nenhum primeiro-ministro pode calar: é o descontentamento dos trabalhadores. Ou descontentamento dos trabalhadores está canalizado para o movimento sindical, que cumpre regras instituídas, cumpre a lei, ou se não for canalizado para aí, tende a ser canalizado para movimentos inorgânicos, que é o que acontece, muitas vezes, noutros países”, explica à TSF António Domingues, sublinhando que “o descontentamento dos trabalhadores pode resvalar para outras situações”.
“Temos situações concretas: há profissionais neste país que não podem fazer greve e pela facto não fazerem greve, por vezes, tendem a fazer manifestações que resvalam para a ilegalidade”, refere.
Esta sexta-feira, os comboios estão parados pelo terceiro dia consecutivo. No entanto, a partir deste sábado, a paralisação já não terá tanto impacto.
“Hoje [sexta-feira], a paralisação é total, há uma adesão massiva dos nossos associados. A partir de amanhã [sábado], a greve será apenas ao trabalho suplementar, a paralisação será mais residual, mais pontual, até dia 14 haverá comboios, com certeza”, acrescenta.
As greves de quarta e quinta-feira foram convocadas pela Associação Sindical das Chefias Intermédias de Exploração Ferroviária (ASCEF), a Associação Sindical Independente dos Ferroviários da Carreira Comercial (ASSIFECO), a Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (FECTRANS), o Sindicato Nacional dos Transportes Comunicações e Obras Públicas (FENTCOP), o Sindicato Nacional dos Ferroviários do Movimento e Afins (SINAFE), o Sindicato Nacional Democrático da Ferrovia (SINDEFER), o Sindicato Independente dos Trabalhadores Ferroviários das Infraestruturas e Afins (SINFA), o Sindicato Independente Nacional dos Ferroviários (SINFB), o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Transportes e Indústria (SINTTI), o Sindicato Independente dos Operacionais Ferroviários e Afins (SIOFA), o Sindical Nacional de Quadros Técnicos (SNAQ), o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Setor Ferroviário (SNTSF), o Sindicato dos Transportes Ferroviários (STF) e o Sindicato dos Trabalhadores do Metro e Ferroviários (STMEFE).
A esta paralisação juntou-se na quinta-feira o Sindicato dos Maquinistas (SMAQ), o único sindicato que esteve esta sexta-feira em greve.
O Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI), dos revisores e trabalhadores de bilheteiras convocou, por sua vez, uma greve parcial entre as 05h00 e as 08h30 de domingo a quarta-feira (dias 11 e 14 de maio).
No domingo e na quarta-feira a greve só afeta os comboios de longo curso. Para esta greve foram decretados 25% de serviços mínimos.
Esta paralisação foi convocada contra a imposição de aumentos salariais “que não repõem o poder de compra”, pela “negociação coletiva de aumentos salariais dignos” e pela “implementação do acordo de reestruturação das tabelas salariais, nos termos em que foi negociado e acordado”, segundo os sindicatos.