Artur Jorge – O futebol, a poesia e a arte podem jogar na mesma equipa. Via os jogos na televisão com o som desligado, ouvindo música clássica ou jazz de Bill Evans e de Chet Baker. Os comentários impossibilitavam concentração no jogo e tiravam prazer ao futebol
Partiu um companheiro que mal conheci, mas que me acompanhou desde criança, enquanto jogador da Académica e do Benfica.
“Era um homem de causas e de luta”, diria o seu amigo e companheiro Toni.
Durante a crise académica em 1969, é impedido de jogar a final da Taça de Portugal desse ano, contra o Benfica, e protestar como os outros atletas da ‘Briosa’, com braçadeira branca no braço, por não ter dispensa do serviço militar, cruzando-se com a resistência antifascista.
Estudou na antiga RDA, firme nas suas convicções políticas. Lembro-me da “malta” jogar com ele no pátio da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Angola, numa visita da Académica a Luanda, sempre acessível e simpático, não omitindo a sua oposição à guerra colonial. Em 1972, conjuntamente com Eusébio, António Simões, Fernando Peres, Rolando, Manuel Pedro Gomes e João Barnabé, entre outros funda o Sindicato dos Jogadores, e no primeiro comunicado que emitiu exigiu o fim da “lei da opção” e respeito pelas garantias laborais dos jogadores. Em 1975, aceitou ser deputado pelo partido de esquerda MDP/CDE às eleições para a Assembleia Constituinte.
Foi o primeiro treinador português a tornar-se campeão europeu de clubes treinando o Futebol Clube do Porto na Taça dos Campeões Europeus de 1986-1987. Também treinou seleção nacional portuguesa.
Homem culto e poeta, colecionador de obras de arte, pintura e escultura, tornou-se comendador no distrito de Castelo Branco, agraciado em 1988 por Mário Soares na Covilhã. “Vértice da Agua” é uma obra por onde passam, em páginas soltas, os poetas de S. Francisco e da «beat generation», a escrita de Apollinaire e, aqui e ali, cheiros e sabores a futebol.
“Ó poeta, vai-te embora”, gritavam os adeptos quando as coisas corriam mal.
A morte de pessoas queridas acompanhou-o pela vida, culminando em 2013 com a da filha de 22 anos. Em 1979, num treino da seleção nacional, fractura a tíbia e o perónio, não mais podendo repetir o célebre “pontapé de moinho”: marcou 94 golos em 112 jogos ao longo de quatro épocas em que só ficou atrás de Eusébio, naquela Briosa que andava lá pela frente, vice-campeã nacional em 1967, duas vezes finalista da Taça de Portugal.
O desporto e o futebol em particular podem ser muito mais que alienação, violência e fanatismo!