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Barco tuga afunda… Trump

Imaginem, caros leitores, um cenário digno de uma epopeia moderna: um barco português, modesto nas dimensões, mas gigante na audácia, decide desafiar as leis da física — e da diplomacia — ao colidir com um petroleiro norte-americano. O Santa Maria do século XXI? Não, melhor: um cargueiro baptizado com o nome de algum santo popular cuja paciência se esgotou ante a arrogância dos mares. Segundo as crónicas do Notícias, o nosso David náutico, armado com uma tripulação de 36 almas corajosas, embateu no flanco de um Golias flutuante, deixando um ferido e uma constelação de perguntas.

Aqui, porém, ergue-se a primeira bandeira da defesa: o Direito Marítimo, essa ciência obscura para leigos, mas clara como água de poça para os doutos. O barco luso, afirma-se com gravidade forense, vinha da direita. Sim, caros acusadores de plantão: a direita! Prioridade incontestável, tal como no trânsito terrestre, onde o condutor que surge pela direita é rei, senhor, e dono do asfalto. Se na terra vale, no mar — esse espaço líquido onde as regras se dissolvem como açúcar no café —, decerto também aplica. Quem ousa questionar a lógica? O petroleiro, imenso como um shopping center flutuante, deveria ter recuado, feito vénias, ou pelo menos apitado educadamente. Não o fez. Culpa sua.

Os cínicos dirão: mas como defender o indefensável? Um barco minúsculo, quase uma casca de noz, a desafiar um colosso de aço? Os realistas gemerão: isto é o fim da navegação sensata, o triunfo dos cacos! Até os doutrinadores do Direito Internacional esfregarão os olhos, incrédulos, perante a ousadia lusa. E, no entanto, a defesa persiste, imaculada na sua insanidade gloriosa.

Invoca-se, por exemplo, o Princípio da Proporcionalidade Histórica: Portugal, nação que outrora dominou oceanos, tem o direito inalienável, de vez em quando, para dar uma cabeçada em quem lhe corta o caminho. É uma questão de memória colectiva. Além disso, alegar-se-á que o petroleiro violou o Artigo 2743º do Código de Conduta Marítima, que proíbe embarcações de exibir “dimensões desproporcionais e ostensivas, capazes de ofuscar a beleza das ondas”. O barco americano, ao ocupar mais espaço visual que o Cabo da Roca em dia de nevoeiro, cometia um crime estético. E quem paga por crimes estéticos? A História, caros leitores, a História!

Os pragmáticos rugirão: “Isto é absurdo!”. Os legalistas sorrirão, citando tratados imaginários. E o mundo, entretanto, perguntará: mas porque não construíram, os americanos, barcos que, além de grandes, saibam desviar-se?

Eis que surge a revelação: os norte-americanos, afinal, aprenderam a construir barcos com os suíços. Sim, aqueles suíços dos lagos imaculados e dos relógios pontuais. Os mesmos que, incapazes de conceber um jantar sem talheres, olham com horror para quem come à mão — prática que, suspeita-se, inclui a maioria da tripulação amaricana. Ora, se os suíços dominam a arte de navegar em águas paradas, que saberão eles das fúrias do Mar do Norte? Os seus barcos são projectados para lagos onde as ondas são meras rugas na superfície, não para oceanos onde a tragédia dança um tango eterno.

O nosso barco, ao embater no petroleiro, fez um serviço à humanidade: lembrou aos Yankees que o mar não é um lago suíço. É um palco de improviso, onde até o mais pequeno actor pode roubar a cena. E se, no fim, ambos os barcos sobreviveram (um com orgulho ferido, outro com um risco na pintura), que fique a lição: no oceano da vida, por vezes é preciso dar um encontrão para ser notado. E Portugal, caros leitores, sabe ser notado.

Despedimo-nos com um brinde — de água do mar, claro — à esperança: que os próximos petroleiros aprendam a desviar-se. Ou, pelo menos, tragam talheres.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

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