Há momentos em que o silêncio é cumplicidade. A Beira Baixa vive um desses momentos. Sob o pretexto da transição energética, o interior português está a ser alvo de um processo de transformação que ameaça alterar, de forma irreversível, o carácter de um território que é património vivo de Portugal.
O projecto SOPHIA, apresentado como símbolo de progresso e sustentabilidade, promete energia limpa e desenvolvimento. No entanto, por trás do brilho das promessas, escondem-se dúvidas legítimas e riscos sérios: alterações microclimáticas, destruição de ecossistemas, perda de solos agrícolas, impacto visual irreparável e marginalização das populações locais.
As comunidades da Beira não recusam a energia solar. Recusam, isso sim, o modo como esta lhes é imposta — sem debate, sem transparência, sem verdadeira consulta pública. Recusam a ideia de que o progresso só se possa medir em euros e megawatts, esquecendo que há valores que não têm preço: a terra, a memória e a dignidade.
Portugal precisa de energia limpa. Mas precisa, sobretudo, de processos limpos. Nenhum investimento pode atropelar os direitos ambientais e humanos das populações. A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 66.º, é inequívoca: o Estado tem o dever de defender o ambiente e assegurar um desenvolvimento sustentável, garantindo a participação dos cidadãos nas decisões que os afectam. Quando esse dever é ignorado, a democracia enfraquece e o país perde parte de si mesmo.
A Beira Baixa não é um espaço vazio. É casa, é sustento, é cultura. Cada montado, cada oliveira e cada ribeira representam séculos de equilíbrio entre o homem e a natureza. O que hoje se ameaça destruir não se reconstrói com promessas. A pressa com que certos projectos são licenciados e apresentados levanta questões que merecem investigação e escrutínio público.
O Jornal O Regiões cumpre o seu dever: dar voz às populações, exigir clareza e defender o território. Não se trata de oposição a políticas energéticas, mas de uma exigência ética: progresso, sim — colonização ambiental, não. A energia solar pode e deve ser parte do futuro, mas não à custa de transformar o interior num deserto metálico de rentabilidade estrangeira.
Cabe aos autarcas, às autoridades ambientais e ao Governo da República garantir que o interesse nacional prevalece sobre o interesse económico momentâneo. Ignorar os alertas é repetir erros antigos, agora com um verniz verde.
A Beira Baixa merece ser ouvida. O interior português não é periferia — é coração do país. Se a luz do sol for usada para queimar o que nos resta de autenticidade, o progresso tornar-se-á o nome de uma nova forma de abandono.
O futuro sustentável de Portugal não se constrói com pressa, nem com submissão. Constrói-se com justiça, com verdade e com respeito pelo que somos.
Fernando Jesus Pires
Diretor do Jornal O Regiões
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