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Cais do Ginjal desespera por obras

Por Maria José Limpo

Quem desembarca em Cacilhas, em tarde de sol, fica encantado com as recentes obras de requalificação, que transformaram o velho largo, agora com nova pavimentação, bancos, grandes esplanadas e árvores acabadinhas de plantar. A poucos metros de distância, entramos no velho cais do Ginjal, que, em tempos que já lá vão, se tornou num ponto
estratégico de forte atividade comercial e industrial. Enclausurado entre a falésia e o rio Tejo, a vida fervilhante que sempre ali se conheceu, terá começado em meados do século XIX e estendeu se até à revolução de abril. A pouco e pouco, foram fechando empresas ligadas à reparação naval, armazéns restaurantes e tascas, e hoje, o que resta dessa época
única e inesquecível, são ruínas, paredes grafitadas, janelas sem vidros, lixo, buracos na própria muralha que deixam ver as águas do rio, um cheiro nauseabundo a detritos de quem por ali passa e faz as necessidades onde calha…
Apesar de tanta degradação e abandono, todos os dias chegam novos visitantes, turistas, amantes da pesca.

Cais do Ginjal por obras
DR

O início das obras de recuperação do velho cais, estava previsto para 2018.
Já passaram cinco anos e tudo continua na mesma, isto é, o cais está nas últimas…
O projeto de requalificação, aprovado em novembro de 2020, com maqueta do Plano de Pormenor para o Cais do Ginjal, vai recuperar toda a muralha, desde o Jardim do Rio até ao terminal fluvial de Cacilhas. É da autoria do arquiteto projetista Samuel de Carvalho e, vai transformar por completo, a face deste local emblemático da margem sul.
Há pouco mais de 40 anos, ainda havia restaurantes, tanoarias e latoarias, armazéns onde se guardavam pipas de vinho, azeite e vinagre, carvão ou apetrechos de apoio aos bacalhoeiros, fábricas de conservas de peixe e pequenos estaleiros navais que, a pouco e pouco, foram sendo desativados e acabaram por fechar as portas, o mesmo é dizer, morrer.
Nos tempos áureos, largas centenas de operários de fato de macaco, circulavam num vaivém constante, que dava vida ao cais. Era o tempo em que aqui atracavam arrastões: os barcos de pesca com redes de arrasto, bacalhoeiros que iam e vinham da longínqua Terra Nova, que aqui largavam toneladas do tão apreciado peixe, que seguia depois para as
fábricas de secagem, salgamento e transformação, onde tudo se aproveitava do peixe mais amado pelos portugueses, até o detestado óleo de fígado de bacalhau, preciosa vitamina tão detestada pelas criancinhas…
Ao longo da muralha centenária, onde- hoje se erguem apenas, ruínas, telhados quase a cair, outros que já caíram há muito, paredes grafitadas, algumas com azulejos valiosos, alguns com mais de duzentos anos – ergueram se, em tempos, casas apalaçadas, quintas senhoriais, tabernas, casas de pasto e restaurantes afamados, que ainda há cinquenta anos eram procurados por centenas de pessoas. É o caso do famoso “Floresta do Ginjal”, inaugurado nos primeiros anos da década de 50 do ´século XX, à semelhança de outros que por aqui havia. Era, sobretudo, frequentado por lisboetas, que aqui se deslocavam, em particular, ao fim de semana para os tão apreciados comes e bebes e para ouvir o fado, degustar saborosas caldeiradas, acompanhadas de vinho de estalo. Eram tertúlias e animadas farras que duravam até de madrugada… Chegou a ter cerca de 70 funcionários, ao fim de semana e, era também, muito procurado para festas de casamento. Amália e David Mourão Ferreira, eram algumas das celebridades visitas assíduas da casa. Mesmo ao lado, o Gonçalves, o único a ser recuperado, conhecido pelo restaurante da espanhola, gerido pelo padrasto e pela mãe da inesquecível Madalena Iglésias, que tinha mesmo nascido em terras de “nuestros hermanos” Hoje, do fabuloso “Floresta”, com três pisos, restam as paredes, as janelas sem vidros, a enorme escadaria que conduzia ao primeiro andar, decorada de ambos os lados, com centenas de brancas conchas, apanhadas seguramente à beira mar… Nos últimos anos chegou a ser discoteca e a realizar espetáculos ao vivo.
Com a pandemia, acabaram os bailaricos de idosos, que ainda se realizam uma ou outra vez, como se ainda haja quem teime em não deixar morrer o “Floresta,” embora com o perigo dos velhos soalhos e paredes que ainda restam, virem por aí abaixo…
Desde 1910, que muitos jornalistas e escritores vinham de Lisboa, deleitar se com as tertúlias e os acepipes de lugares inesquecíveis, segundo rezam as crónicas da época, como os retiros da “Marraca”, da “Parreirinha e do “Retiro Universo”, onde havia um dos melhores animatógrafos da margem sul.

Logo à entrada da velha muralha, ergue se e continua a faturar bem como sempre, um dos restaurantes mais procurados de Cacilhas: “O Farol”, que começou por ser uma tasca chamada Fonte da Alegria. É sempre um corrupio para arranjar mesa e, a maioria dos clientes são estrangeiros. A degradação do Ginjal teve início logo a seguir ao 25 de abril, com o encerramento das empresas ligadas à reparação naval, como a Sociedade de Reparações de Navios, e outras que se erguiam mais ao fundo do cais, no chamado Olho de Boi. Com a falta dos milhares de trabalhadores que para ali se dirigiam todos os dias, foram encerrando também armazéns, restaurantes e tascas. A requalificação prevê a construção de 330 fogos, um hotel e um silo automóvel com capacidade para mais de 500 viaturas, a elevação e alargamento da frente ribeirinha, que tem cerca de mil metros, bem como edifícios de comércio e serviços, apartamentos turísticos, espaços públicos, mercados de artes, entre outras valências. O projeto vai rondar um custo de cerca de 300 milhões de euros.

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