Lisboa enfrenta um agravamento da informalidade habitacional, fenómeno que preocupa a Câmara Municipal e que a vereadora da Habitação, Filipa Roseta, considera urgente combater e controlar. Durante a reunião da 5.ª comissão permanente da Assembleia Municipal, realizada no âmbito da discussão da moção “A habitação é um direito social fundamental”, proposta pelo PAN, a autarca denunciou o impacto crescente da informalidade no mercado de arrendamento e no acesso à habitação digna.
Segundo Roseta, a proliferação de situações como o aluguer de camas em apartamentos sobrelotados expõe a miséria de muitos residentes que permanecem invisíveis ao sistema. “Essas pessoas vivem em condições indignas, sem qualquer registo formal, o que inflaciona o preço do arrendamento e agrava a crise habitacional”, afirmou.
Para ilustrar a dimensão do problema, Filipa Roseta revelou que dos 46 mil fogos classificados como vagos em Lisboa, cerca de 16 mil apresentam consumo de água, o que indica possível utilização no mercado informal. “Precisamos da mão-de-obra, mas as pessoas têm de estar em situação regular”, sublinhou a vereadora, insistindo que a integração de residentes informais deve ser prioritária face a outras medidas como a proibição de venda de imóveis a estrangeiros não-residentes, proposta pelo PAN.
A vereadora rejeitou comparações com países como o Canadá, alertando que Portugal, como membro da União Europeia, não pode tomar decisões unilaterais com impacto no investimento estrangeiro. Roseta defendeu ainda a necessidade de distinguir a realidade da capital do resto do país. “Lisboa é profundamente distinta do Interior. Não podemos aplicar as mesmas políticas em contextos tão assimétricos”, afirmou.
A proposta do PAN foi também alvo de críticas por parte da Iniciativa Liberal (IL), cuja deputada municipal Angélique Da Teresa a classificou como uma “completa aberração”. O PAN respondeu, acusando a IL de deturpar o conteúdo da moção, esclarecendo que a limitação proposta não visa os imigrantes, mas sim os compradores estrangeiros que não residem em Portugal.
Filipa Roseta destacou ainda a urgência em utilizar o património habitacional municipal disponível. “O património da câmara não pode continuar abandonado quando enfrentamos uma crise habitacional sem precedentes”, advertiu. A autarquia está já a desenvolver projetos de construção em terrenos municipais, ao mesmo tempo que os disponibiliza para investimento privado, mas a vereadora lamenta a falta de colaboração por parte do Governo. “Esta prioridade esteve presente nos programas dos últimos três executivos e nenhum agiu. Esperamos que este finalmente o faça.”
A autarca identificou a existência de vasta propriedade pública sem uso há décadas como uma das principais causas do défice habitacional. A aposta na sua reabilitação ou construção poderá, segundo Roseta, “mudar a configuração da habitação pública na próxima década”.
A vereadora defendeu também o reforço das competências das autarquias na área da habitação, afirmando que as câmaras municipais têm demonstrado maior eficácia na execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) do que o Estado central. “As autarquias estão a responder, apesar das enormes dificuldades e da carga burocrática imposta”, realçou.
Para Filipa Roseta, o planeamento habitacional deve passar a ter uma visão metropolitana e não apenas municipal. “Lisboa tem capacidade para construir 30 mil habitações. No entanto, a Área Metropolitana de Lisboa ainda só tem metade da sua área urbana construída. A coordenação entre municípios é indispensável.”
Quanto à estratégia de construção, a vereadora referiu que os terrenos urbanos e infraestruturados devem ser utilizados. Apesar da prioridade atual estar na reabilitação – com 2.000 fogos já previstos – a tendência passará pela construção nova. “Lisboa é uma das poucas capitais europeias com terrenos urbanos prontos a edificar. Temos de aproveitar essa vantagem”, afirmou.
Durante a sessão, Gonçalo Costa, presidente da Sociedade de Reabilitação Urbana, destacou os elevados custos de construção na cidade. “Atualmente, um promotor dificilmente constrói por menos de 5.500 a 6.000 euros por metro quadrado”, revelou, justificando a preferência pela venda em vez do arrendamento.
Por fim, Roseta apontou as dificuldades enfrentadas na aprovação de projetos de habitação cooperativa. “Temos 300 cooperativas prontas para avançar, 100 das quais de pequena escala, mas cada aprovação exige várias reuniões da câmara”, lamentou, apelando à simplificação dos processos administrativos.
A vereadora deixou um alerta claro: sem medidas concretas, céleres e coordenadas entre câmaras, Governo e União Europeia, Lisboa arrisca perpetuar uma crise habitacional que compromete o futuro da cidade.