Hoje escrevo sobre um tema que assombra a nossa sociedade, que nos assombra a todos nós de uma forma direta ou indireta.
Só a palavra cancro nos causa medo, angustia, dor, incerteza, revolta e até desespero.
Nos últimos tempos por força das circunstâncias tenho lidado de uma forma direta e indireta com esta realidade.
Mas antes de partilhar a minha vivencia e toda a aprendizagem que tenho tido nos últimos anos, para que possa ajudar outros na mesma situação, para que não se julguem únicos, (não estão sozinhos) com o meu testemunho gostava de partilhar alguns dados estatísticos de forma a compreendermos o “monstro” que temos pela frente.
Segundo a organização mundial de Saúde (OMS) no ano passado registaram-se, em todo o mundo 18 milhões de novos casos, sendo 23,4% na Europa. Em Portugal é a segunda causa de morte e a sua incidência aumenta, em média cerca de 3% por ano. Em 2019 no nosso pais foram diagnosticados quase 58.000 novos casos.
De acordo com estudo CONCORD-3 divulgado na revista Lancet, sobre a taxa de sobrevivência ao cancro, Portugal surge no top 10 europeu nos três tipos mais frequentes, mama, próstata e estomago com 87,6%, 32,2% e 90,8% respetivamente. Infelizmente a média de idade cada vez é menor para o aparecimento de cancro.
Após esta contextualização a (minha) realidade.
Todos julgamos que só acontece aos outros, mas não, de um momento para outro somos confrontados com a frase; “tem uma neoplasia”, tem um “tumor”, tem um “cancro” e nesse momento o mundo cai em cima de nós e de todos os que nos rodeiam.
Lembro-me da primeira vez…o chão que pisava simplesmente desapareceu.
Tudo desaba. Uma angústia do pior que pode haver, uma dor no peito como nunca sentimos, um medo indiscritível nos invade. Como um qualquer truque de magia, a vida foge, revivemos o nosso passado e pensamos em tudo o que queríamos viver e provavelmente já não o vamos fazer. Tudo acontece de uma forma muito rápida. Imaginem quando brincámos na praia, enchemos a mão de areia e abrimos os dedos. Como a areia foge a vida também.
Temos que ter esperança, hoje em dia, dependendo do tipo de cancro, do diagnostico precoce, do tratamentos possíveis, do apoio familiar e amigos a taxa de sobrevivência aumenta todos os dias.
Aprendi muito nos últimos tempos com estas situações. Porque as vivi e vivo de uma forma direta e infelizmente também de uma forma indireta.
Algumas conclusões que partilho:
“O mundo não acaba tal como parecia”. Acreditar, acreditar, luta, lutar pela vitoria final numa longa guerra composta por muitas batalhas. Pensei muitas vezes, “mas se eu não acreditar, ninguém acredita. Se Tu não acreditares, ninguém acredita. Acreditar e ter esperança é o maior depósito de combustível para que batalha a batalha, lutar como se não houvesse amanhã. O meu truque foi e é criar objetivos simples e mensuráveis. Um dia de cada vez. Assim vamos consolidando vitórias e alimentamos a vontade de viver. Partilhar, perguntar, falar sem rodeios com familiares, amigos e profissionais de saúde.
Chorar, sem problema, sem medo, somos humanos.
O apoio familiar é um dos pilares para esta luta, para partilhar o festejar de uma batalha ganha. Para os dias difíceis, para as incertezas, para os dias de desanimo. Os familiares têm que partilhar algum do seu tempo, não é preciso muito. Nunca se esqueçam que por vezes já pode ser tarde para o fazerem, têm que reformular as suas prioridades.
Os amigos
Nos momentos de solidão são importantíssimos para nos ouvirem, para nos darem força. Desabafar só faz bem. Não tenham medo, vergonha de falar sobre o cancro, só faz bem, procurem ajuda com profissionais de saúde, desabafem, partilhem e assim vão descobrir que dezenas de outras pessoas passam pelo mesmo.
O trabalho
Enquanto e sempre que for possível é crucial mantermo-nos ocupados, a nossa mente não pode estar permanentemente ocupada com o terror. A compreensão, a ajuda dos colegas de trabalho e da entidade patronal é única. Concluímos que somos parte integrante da sociedade do “nosso” mundo.
Os profissionais de saúde, o SNS. Sem eles nada feito, não adianta. (Á pouco tempo acompanhei um familiar a Coimbra para iniciar um ciclo de quimioterapia na Unidade de Pneumologia nos HUC. É impossível o SNS aguentar muito tempo, fiquei estupefacto com as dezenas de ambulâncias a transportar doentes de toda a região centro. Não imaginava a quantidade da nossa zona. Os profissionais de saúde de oncologia, médicos, enfermeiros, auxiliares entre outros são tão poucos, mesmo poucos para tamanha necessidade. Indiscritível. Imaginem a nível nacional, quer no SNS que no privado).
Encarar o problema de frente e não fugir ou esconder a realidade. Só estamos a adiar a sua solução (pode ser muito perigoso).
Nem todos os cancros têm um final feliz. Pois não.
Aprendi, mesmo assim, que só posso, (só podemos) aproveitar ao máximo o que a vida me dá, (nos dá). Todos os dias de manhã, ao acordar penso; “mais um dia, fantástico, o que hoje vou fazer…”. Nada de planos a longo prazo, isso só cria ansiedade e em nada ajuda. Aprendi a dar valor a coisas insignificantes, (ao terceiro dia pós-operatório em 2016, com muito sacrifício consegui com muita ajuda levantar-me e ir tomar um duche. Quando a água começou a correr pelo meu rosto chorei como uma criança, sabem porque? Porque nunca acreditei ser possívelvoltar a tomar um simples banho! Nunca tinha dado importância a um ato banal do dia a dia).
Vivam os momentos, deem valor ás coisas mais insignificantes, partilhem, desabafem com quem acharem melhor.
Não sei se ajudei, mas acreditem, acreditem, lutem como senão houvesse amanhã.
O meu lema sempre foi, “para traz nem para tomar balanço”. Criem o vosso.
Viva lá Vida…para que não seja tarde!
É o que faço todos os dias.
“Para traz, nem para tomar balanço”, este foi e é o meu lema. Que seja o vosso.