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Caso Tutti-Frutti continua a fazer sangue no PSD e no PS

Depois do escândalo político que gerou o despacho de acusação do processo Tutti-Frutti, com autarcas e deputados do PSD indiciados por dezenas de crimes — apanhados em conversas sobre como usar os recursos do Estado para distribuir empregos e contratos aos amigos —, o caso Tutti-Frutti continua a “provocar sangue” no PSD e PS, com vários pedidos de suspensão e de renúncia de cargos de deputados e de autarcas. No passado, chegou a falar-se em trocas de favores e mesmo combinação de candidatos autárquicos entre PSD e PS. Este escândalo já obrigou Luís Montenegro a intervir na escolha das listas às Câmaras Municipais: autarcas acusados, como os que são citados na investigação, não terão lugar nas listas camarárias.

Carlos Eduardo Reis é mais um deputado do PSD que vai suspender o mandato, na sequência da acusação de corrupção no processo Tutti-Frutti. Eleito pelo círculo de Braga, vai suspender o mandato só no final do mês, por ter ainda compromissos que considera essenciais, juntando-se a Luís Newton, deputado e presidente da Junta de Freguesia da Estrela, em Lisboa, ao  vereador social-democrata da Câmara de Lisboa, Ângelo Pereira, e do presidente da Junta de Freguesia do Areeiro, Fernando Braamcamp, acusado de 39 crimes de corrupção passiva.

A troca de favores políticos entre o PSD e o PS começou logo a seguir às eleições autárquicas de 2013. Luís Newton (PSD/CDS) ganhou a recém criada autarquia da Estrela a Luís Monteiro (PS) pela diferença de 34 votos, ficando o PS e o PSD com o mesmo número de eleitos (6). O PCP elegeu um elemento. No entanto, apesar do PS se puder aliar ao PCP e, dessa forma, conseguir governar a autarquia, as cúpulas concelhias dos dois partidos “engendraram” um esquema: o PS deixava a freguesia da Estrela ser presidida, sem sobressaltos, pelo PSD e, em contrapartida, o PSD deixava o PS governar, também sem sobressaltos, a Junta de Freguesia de S. Domingos de Benfica.

Toda esta “tramóia” foi conhecida em 2015 por causa de uma denúncia anónima no portal informático das queixas da Procuradoria-Geral da República (PGR) que mais tarde tornou público o tráfico de influências entre membros e executivos do PS e do PSD na preparação das listas para eleições autárquicas portuguesas de 2017, “financiamento partidário, esquemas com quotas de militantes, assessorias sem trabalho pagas com dinheiros públicos e outros negócios suspeitos de (ex ou futuros) deputados”

Mas, na prática, o que “tramou” este arranjinho político foi o “golpezito” de 2017, engendrado por Sérgio Azevedo e Luís Newton para “correr” com José Eduardo Martins, impedindo uma figura nacional de liderar a bancada PSD na Assembleia Municipal de Lisboa, é exemplar sobre o funcionamento do aparelho do PSD da capital.

Aliás, o despacho de acusação do processo Tutti-Frutti revela os detalhes, os telefonemas e as influências que se moveram, para uma fação dos caciques laranjas da capital continuar a ter capacidade de distribuição de avenças aos seus peões, mantendo o poder e a influência financeira, que depois se converte em votos e mais poder e influência dentro do partido.

A candidatura de José Eduardo Martins a líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa (AML) terá sido boicotada nos bastidores por Sérgio Azevedo e Luís Newton (deputado, presidente da junta de freguesia da Estrela e que acabaria por ficar com o lugar). Era um cargo fundamental e será a primeira vez que é explicado num processo o que há muito se sabe no meio autárquico de Lisboa: o esquema dos assessores-fantasma.

A acusação detalha uma série de démarches de Sérgio Azevedo para angariar apoios para a candidatura de Luís Newton e para boicotar a de José Eduardo Martins, que tinha “de ser corrido”, para usar a sua expressão num telefonema com o deputado Pedro Pinto.

O boicote incluiu a ausência numa reunião do grupo municipal agendada a pedido de José Eduardo Martins, “à qual Sérgio Azevedo e Luís Newton decidiram que os seus apoiantes não iriam, incluindo Vasco Morgado, com quem Sérgio Azevedo falou”, diz o MP.

Nesse dia, Sérgio Azevedo voltou a ligar a Pedro Pinto: “Eu andei aqui a proteger o Luís [Newton] e a arranjar e a foder os gajos e a dar o corpo às balas para fodê-los para o Luís ser candidato àquela merda. (…) Sabes o que é que eu vou fazer? De tudo para o Zé [Eduardo Martins] não ser o líder da bancada, isso é o que eu vou fazer. O Newton faz muita merda, mas o gajo a mim não me fode. Pronto.”

Os negócios que visavam favorecer militantes do PS e do PSD, através de avenças e contratos públicos, por altura das eleições autárquicas de 2017 em Lisboa e arredores surgem como o principal tema dos vários excertos das escutas telefónicas e trocas de mensagens que estão transcritas no despacho do Ministério Público (MP) da Operação Tutti-Frutti, que culminou com a acusação a 60 arguidos (11 dos quais são empresas).

‘Negócios’ autárquicos

Fontes ligadas ao Ministério Público confirmam que casos como o Tutti-Frutti são “prática comum” nas autarquias, porque a política local vive de pequenas intervenções, de amizades locais, de poderes locais, de iniciativas locais, das associações, de micro-poderes”.

Aliás, Jorge Bacelar Gouveia, constitucionalista e professor catedrático, admite que casos como o que levou o Ministério Público a acusar 60 arguidos na Operação Tutti-Frutti são prática comum nas autarquias.

O que consta do processo, segundo Bacelar Gouveia, que também já foi autarca, corresponde em parte a uma conversa da chamada ‘politiquice’ autárquica que é comum a muitos partidos.

“São promessas que não se cumprem, o toma-lá-dá-cá, que muitas vezes não passam de conversas de circunstância, que depois não são realizadas, outras vezes sim. Até acho que o mais importante não se costuma dizer ao telefone. Tenho reservas sobre as consequências do material que foi captado como material probatório”, reconhece o constitucionalista.

Por isso, e para tentar evitar a contaminação das eleições autárquicas deste ano com candidatos acusados em processos judiciais, Luís Montenegro já deu indicações para excluir candidatos acusados pela Justiça. Depois do escândalo político que gerou o despacho de acusação do processo Tutti-Frutti, com autarcas e deputados do PSD indiciados por dezenas de crimes — apanhados em conversas sobre como usar os recursos do Estado para distribuir empregos e contratos aos amigos —, Luís Montenegro decidiu intervir na escolha das listas às Câmaras Municipais: autarcas acusados, como os que são citados na investigação, não terão lugar nas listas camarárias.

O que está em causa?

Caso Tutti-Frutti continua a fazer sangue no PSD e no PS
FOTOILUSTRAÇÃO: RODRIGO MENDES/OBSERVADOR – (da esquerda para a direita) Ana Sofia Dias (presidente da Junta de Freguesia de Penha de França), Rui Paulo Figueiredo (deputado municipal do PS), Sérgio Azevedo (ex-deputado do PSD) e Inês Drummond (ex-vereadora do PS)

Na operação Tutti-Frutti foram investigados favorecimentos a militantes do PS e do PSD através de avenças e contratos públicos. O processo envolve autarcas de importantes juntas de freguesia de Lisboa, funcionários e empresários.

A investigação nasceu de uma denúncia anónima. Os suspeitos respondem por 463 crimes de corrupção ativa e passiva, prevaricação, tráfico de influência, branqueamento, burla qualificada, falsificação de documento, abuso de poder e recebimento indevido de vantagem, alguns dos quais na forma agravada.

A investigação arrastou-se durante bastante tempo, alegadamente por falta de meios, mas também porque se tratava de um processo de grande complexidade, dada a sensibilidade dos factos e função que desempenhavam alguns dos visados.

E teria ainda demorado mais, não fosse o caso de Lucília Gago, ex-procuradora-Geral da República, ter criado, em 2023, uma equipa com cinco magistrados do Ministério Público e cinco inspetores da Polícia Judiciária, todos em regime de exclusividade, para concluir o processo.

Os visados do Ministério Público

A lista de suspeitos do M.P. é longa. Ao todo, são 60 os acusados. Destaque, ainda assim, para 13 autarcas, incluindo atuais ex-presidentes de juntas de freguesia e vereadores municipais em Lisboa.

O ex-deputado social-democrata Sérgio Azevedo (2011-2019), líder do grupo do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa de 2013 a 2017, está acusado de 51 crimes. Em causa está a celebração de contratos entre as juntas de freguesia de Lisboa e a Ambigold, empresa da qual é sócio, tal como o atual deputado do PSD Carlos Eduardo Reis, a quem o MP imputa 21 crimes.

O presidente da Junta de Freguesia de Santo António, Vasco Morgado (PSD); da Estrela, Luís Newton (PSD); do Areeiro, Fernando Braamcamp (PSD); e da Penha de França, Ana Sofia Oliveira Dias (PS), estão também acusados.

Vasco Morgado responde por 27, enquanto Luís Newton, igualmente deputado no parlamento, está acusado de dez.

De entre os autarcas em funções, Fernando Braamcamp é aquele a quem o MP imputa mais crimes: 39, todos de corrupção passiva. Ana Sofia Oliveira Dias responde por um único crime de corrupção passiva agravado.

A lista de autarcas inclui ainda Ângelo Pereira, vereador com diversos pelouros no atual executivo da Câmara Municipal de Lisboa e líder da distrital do PSD, e Inês Drummond, vereadora pelo PS na mesma autarquia e antiga presidente da Junta de Freguesia de Benfica.

Recebimento indevido

O primeiro está acusado de um crime de recebimento indevido de vantagem, por uma viagem paga à China quando era vereador na Câmara Municipal de Oeiras; e a última de quatro de prevaricação, por adjudicações à Ambigold quando era autarca em Benfica.

Esta última empresa está também no centro de um acordo entre José Guilherme Aguiar, atual vereador socialista na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e Carlos Eduardo Reis, datado de 2012 e relacionado com obras de instalações desportivas.

A contratação dos serviços da Ambigold pela Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica (Lisboa) justifica ainda a imputação de dois crimes de corrupção passiva a Rodrigo Gonçalves, à data presidente da autarquia e atual conselheiro nacional do PSD.

O Ministério Público pede a perda de mandato para 13 autarcas. “Os arguidos Sérgio Azevedo, Rodrigo Gonçalves, Vasco Morgado, Nuno Firmo, Luís Newton, Ângelo Pereira, Fernando Braamcamp, Ameetkumar Subhaschandra, Patrícia Brito Leitão, Rodolfo de Castro Pimenta, Ana Sofia Oliveira Dias, Inês de Drummond e José Guilherme Aguiar praticaram os factos de que vêm acusados no exercício de mandato autárquico, valendo-se dos respectivos cargos para satisfazer interesses de natureza privada em prejuízo do interesse público, em grave violação dos deveres inerentes às suas funções de autarcas”, lê-se na acusação.

Face a esta argumentação, o MP requer que “em caso de condenação, seja declarada a perda dos mandatos referentes a cargos políticos de natureza eletiva que estes, então, se encontrem a desempenhar efetivamente, sem prejuízo da declaração de inelegibilidade em atos eleitorais”.

Estado lesado em perto de 600 mil euros

“Os arguidos obtiveram vantagens patrimoniais indevidas, para si e para terceiros, à custa do erário público, diretamente resultantes da prática dos crimes (…). Tais quantias deverão reverter a favor do Estado”, defende o MP.

O MP quer também ver declarados perdidas a favor do Estado as quantias apreendidas a três arguidos: Nuno Firmo, que foi vogal na Junta de Freguesia de Santo António, em Lisboa; Pedro Rodrigues, jurista, militante do PSD e ex-presidente da JSD; e Paulo Quadrado, militante do PSD, antigo membro do Conselho Nacional do partido, ex-presidente da Junta de Freguesia da Graça e assessor da vereação PSD na Câmara Municipal de Lisboa.

A Sérgio Azevedo, antigo deputado e líder da representação do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa entre 2013 e 2017, são reclamados mais de 123 mil euros.

A Carlos Eduardo Reis, deputado do PSD, e à empresa Ambigold são reclamados quase 211 mil euros; a Nuno Firmo e à empresa Valley Innovation mais de 110,5 mil euros.

A Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, em Lisboa, e deputado do PSD, o MP reclama a devolução de mais de 14,6 mil euros e ao vereador Ângelo Pereira, do executivo lisboeta liderado por Carlos Moedas, a devolução de cerca de 600 euros, “relativo aos custos da viagem proporcionada pela INFORMANTEM”.

José Guilherme Aguiar, atualmente vereador eleito pelo PS na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, deve ser obrigado a restituir 3.690 euros, defende o MP, relativos à celebração de contratos-programa de desenvolvimento desportivo entre a autarquia e clubes em benefício da Ambigold, empresa tutelada pelo também arguido e deputado do PSD Carlos Eduardo Reis.

Fora da acusação

Fernando Medina, ex-ministro das Finanças e antigo autarca de Lisboa, chegou a ser ouvido como possível arguido. Mas agora não foi acusado. O mesmo aconteceu também com o ex-ministro Duarte Cordeiro.

As suspeitas que pendiam sobre a deputada social-democrata Margarida Saavedra, cuja imunidade parlamentar chegou a ser levantada, foram igualmente arquivadas.

O processo deve ainda passar por uma fase de instrução, e só depois disso é que um juiz irá decidir sobre um eventual julgamento e quem de entre os arguidos deverá ou não ser julgado e que por que acusações.

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Alfredo Miranda
Alfredo Miranda
Jornalista desde 1978, privilegiando ao longo da sua vida o jornalismo de investigação. Tendo Colaborado em diferentes órgãos de Comunicação Social portugueses e também no jornal cabo-verdiano Voz Di Povo.

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