O Ministério Público pede a perda de mandatos para 13 dos acusados da Operação Tutti Frutti. No despacho de acusação, os procuradores acrescentam que a exoneração dos cargos políticos que atualmente ocupam deve ser acompanhada da proibição de concorrerem a novos mandatos, invocando para isso um artigo sobre inelegibilidade da Lei da Tutela Administrativa. Entre os visados por esta pena adicional pedida pelo MP está Ângelo Pereira, atual presidente da distrital de Lisboa do PSD e vereador na Câmara de Lisboa com os pelouros da proteção civil e segurança. Entretanto, o deputado social-democrata Luís Newton anunciou esta terça-feira o pedido de suspensão do mandato de deputado à Assembleia da República. Também o vereador da Câmara de Lisboa, Ângelo Pereira, anunciou o pedido de suspensão de mandato.
O Ministério Público deduziu acusação contra 60 arguidos no âmbito do processo ‘Tutti Frutti’ por crimes de corrupção, prevaricação, branqueamento e tráfico de influência, mas não acusou nem Duarte Cordeiro, nem o ex-presidente da Câmara de Lisboa Fernando Medina.
Entre os arguidos acusados neste caso, que investiga desde 2016 a política autárquica de Lisboa, encontram-se o presidente da Junta de Freguesia da Estrela, Luís Newton, o deputado do PSD Carlos Eduardo Reis e o ex-deputado social-democrata Sérgio Azevedo. Também o vereador Ângelo Pereira está acusado pelo MP.
O ex-deputado Sérgio Azevedo destaca-se entre os arguidos com um total de 51 crimes imputados, dos quais 37 em coautoria — nove de corrupção ativa (dois na forma agravada), 13 de prevaricação, cinco de corrupção passiva (um agravado), quatro de tráfico de influência, três de branqueamento, dois de falsificação de documento e um de burla qualificada — e 14 pela alegada autoria dos crimes de corrupção passiva (três, um na forma agravada), corrupção ativa (dois), branqueamento (sete) e tráfico de influência (dois).
Já o deputado social-democrata Carlos Eduardo Reis é acusado de alegadamente praticar um total de 22 crimes. O MP considera que foi coautor de cinco crimes de corrupção ativa (um agravado), seis de prevaricação, cinco de tráfico de influência, quatro de branqueamento e um de abuso de poder; paralelamente, é-lhe imputada a autoria de um crime de corrupção ativa.
Quanto a Luís Newton, o autarca da Junta de Freguesia da Estrela e deputado é acusado da coautoria de quatro crimes de prevaricação e um de corrupção passiva, e da coautoria de quatro de corrupção passiva (um agravado) e um de prevaricação. Ou seja, um total de 10 crimes.
Perda de mandato para vereador de Moedas
Além das dezenas de crimes imputados aos vários arguidos, o MP pediu ainda a perda de mandato para aqueles que foram eleitos para cargos autárquicos.
“Os arguidos Sérgio Azevedo, Rodrigo Gonçalves, Vasco Morgado, Nuno Firmo, Luís Newton, Ângelo Pereira, Fernando Braamcamp, Ameetkumar Subhaschandra, Patrícia Brito Leitão, Rodolfo de Castro Pimenta, Ana Sofia Oliveira Dias, Inês de Drummond e José Guilherme Aguiar praticaram os factos de que vêm acusados no exercício de mandato autárquico, valendo-se dos respetivos cargos para satisfazer interesses de natureza privada em prejuízo do interesse público, em grave violação dos deveres inerentes às suas funções de autarcas”, lê-se no despacho.
A procuradora Andreia Marques acrescenta ainda: “Requer-se que, em caso de condenação, seja declarada a perda dos mandatos”.
Ângelo Pereira é vereador da CM Lisboa e líder da distrital do PSD e é acusado de um crime de recebimento indevido de vantagem. A perda de mandato requerida pelo MP abrange o cargo que ocupa na autarquia lisboeta.
Os três presidentes de Junta abrangidos pela declaração de perda de mandato são Luís Newton, presidente da junta de Freguesia da Estrela, Vasco Morgado, presidente da Junta de Freguesia de Santo António, e Fernando Brancaamp, presidente da Junta de Freguesia do Areeiro.
A Fernando Brancaamp, o MP imputa a suposta prática de 39 crimes de corrupção passiva, enquanto Vasco Morgado é acusado de um total de 24 crimes: 17 crimes de corrupção passiva (dos quais 10 agravados), quatro crimes de prevaricação e três de branqueamento de capitais.
Newton e Ângelo pedem suspensão
Horas após se conhecer a acusação, o deputado social-democrata Luís Newton anunciou o pedido de suspensão do mandato como parlamentar. Em comunicado, o deputado explicou esta terça-feira os motivos para este pedido de suspensão.
“Fui eleito para a Assembleia da República com muita honra pelo partido onde milito desde sempre, o PSD. Sei que o mandato que me foi conferido é meu a partir do momento em que estou deputado, mas a minha lealdade, hoje e sempre, é para com o meu partido e para com o Governo em funções”, apontou.
Após conhecida a acusação, considera que a sua presença na Assembleia da República não deverá “desviar a atenção” do trabalho governativo, mas que a sua ausência também não pode “significar uma admissão de culpa”.
“Assim, não preciso de ponderar muito. Irei pedir a suspensão do meu mandato como deputado na Assembleia da República”, anunciou o deputado, que também é presidente da Junta de Freguesia da Estrela.
Luís Newton acrescenta neste comunicado que ainda não conhece a acusação. “Não conheço a acusação, até porque dela ainda não fui notificado, e em nada me revejo nos atos que durante anos me foram atribuídos no tribunal da praça pública”, adianta.
Quase à mesma hora, durante a tarde desta terça-feira, também o vereador da Câmara de Lisboa Ângelo Pereira comunicou o pedido de suspensão de funções, que foi “aceite de imediato”, segundo o presidente da autarquia, Carlos Moedas.
Em comunicado, Ângelo Pereira confirma o pedido de suspensão de mandato, mas diz estar “convicto da total ausência de responsabilidade” das acusações que o visam.
O vereador aponta que apenas lhe é imputada uma “alegada prática de crime de recebimento indevido de vantagem” referente a uma viagem à China por uma empresa. Ângelo Pereira salienta que se encontrava em representação do município, pelo que nunca seria ele a suportar os custos da viagem.
“Esta acusação, a única que me é apontada, é injusta, imoral e absurda porque a deslocação foi feita ao serviço do Município, não me competindo, naturalmente, suportar as despesas para cumprir as minhas funções”, aponta o vereador, que acrescenta ainda que tal acusação “nada tem que ver” com o mandato atual que exerce na Câmara de Lisboa.
Arquivadas suspeitas contra Medina
Por outro lado, as suspeitas de corrupção contra Fernando Medina e Duarte Cordeiro, enquanto responsáveis da Câmara de Lisboa, foram arquivadas. E as imputações de prevaricação contra o ex-presidente da autarquia lisboeta foram igualmente arquivadas.
Após uma explicação exaustiva de todos os indícios recolhidos contra Medina, a procuradora Andreia Marques escreve que “a conclusão que se impõe é a de que não se demonstrou a prática de factos suscetíveis de integrar os crimes de corrupção ativa e passiva, inicialmente referenciados, nem do crime de prevaricação imputado ao arguido Fernando Medina”, lê-se na acusação.
O primeiro grupo envolvia alegados acordos políticos feitos entre Fernando Medina e Sérgio Azevedo para um pacto de não agressão em que o PS apresentaria candidatos fracos às juntas de freguesia de Areeiro, Estrela e Santo António e em troca o PSD teria uma atitude cooperante com o PS de Medina — que, repete-se, não tinha maioria absoluta no Executivo e na Assembleia Municipal.
Tal acordo incluía ainda nomeações cruzadas de boys dos dois partidos para lugares relevantes e estratégicos. E a adjudicação de contratos públicos a empresas pré-selecionadas pelos dois partidos. Duarte Cordeiro, ex-vice-presidente da Câmara de Lisboa, era encarado igualmente como suspeito.
O MP arquivou todos os indícios contra Fernando Medina, Duarte Cordeiro e Sérgio Azevedo (que foi acusado devido a outras imputações) no que diz respeito a estes indícios.
O mesmo aconteceu com as suspeitas de prevaricação que incidiam sobre Fernando Medina. Como o próprio Medina explicou em comunicado quando foi constituído arguido, estava em causa “a atribuição alegadamente indevida, (…) enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em 23 de março de 2017, de um apoio financeiro no valor de duzentos mil euros — a realizar em dois anos — à XV – Associação Amigos do Rugby de Belém, no âmbito do apoio ao associativismo desportivo”.
Medina referiu então que via “com perplexidade, que a fundamentação do Ministério Público” assentasse “num erro grosseiro e inexplicável”.
A procuradora Andreia Marques não assume qualquer erro mas refere no despacho de arquivamento que os indícios não se confirmaram após a análise documental do apoio de 200 mil euros à à XV – Associação Amigos do Rugby de Belém.
Contudo, Fernando Medina continua a ser investigado em diversas certidões que foram extraídas da Operação Tutti Frutti.
Duarte Cordeiro ilibado
Na nota que publicou nas redes sociais, Duarte Cordeiro escreveu que, no âmbito do processo “TuttI Frutti”, “ficou clarificado o que sempre disse”.
“Não há nada que me surpreenda no que me diz respeito e só lamento o tempo que demoraram estes processos a concluírem as suas investigações. Relembro que nunca sequer fui ouvido. Depois de anos a lidar com especulação suspeita, fico finalmente livre”, frisou.
A operação denominada ‘Tutti Frutti’ investigou desde 2018 alegados favorecimentos a militantes do PS e do PSD, através de avenças e contratos públicos, estando em causa suspeitas de corrupção passiva, tráfico de influência, participação económica em negócio e financiamento proibido.