Crentes e ateus reúnem-se em Castelo de Vide no Sábado de Aleluia para a “Chocalhada”, tradição pagã que marca a Páscoa com tilintar de chocalhos. O ritual, de origem judaica-cristã, enche as ruas de esperança e barulho ensurdecedor.
Na noite de Sábado de Aleluia, as ruas de Castelo de Vide transformam-se num cenário de festa e fervor religioso. Milhares de pessoas, munidas de chocalhos de diversos tamanhos, percorrem as artérias da vila, criando um “barulho ensurdecedor” que simboliza o rejuvenescimento e a esperança da Páscoa. O evento, promovido pelo município, mas vivido espontaneamente pela população, segue a Vigília Pascal e é acompanhado pelos sinos da Igreja Matriz e, em anos normais, pela banda filarmónica local.
A “Chocalhada” é uma tradição cuja origem “se perde no tempo”, sem registos históricos precisos. António Pita, presidente da Câmara Municipal, explica que o ritual tem raízes pagãs, mas foi assimilado pelo cristianismo e pela herança judaica da região. A comunidade judaica, que se estabeleceu em massa em Castelo de Vide após a expulsão de Espanha em 1492, influenciou práticas locais, como a bênção dos borregos e este tilintar coletivo, que alguns estudiosos associam a rituais de fertilidade ou protesto silencioso contra a Inquisição.
Adaptação à pandemia e retorno à normalidade
Em 2021 e 2022, a pandemia obrigou a uma versão caseira da “Chocalhada”, com moradores a tocar chocalhos às janelas. Este ano, porém, a tradição regressou em pleno, atraindo turistas e reforçando a economia local, que vive um pico durante a Semana Santa. “Nem a chuva demove os participantes”, testemunha João Batista, lisboeta que visita a festa há 14 anos.
Mas ha outros Rituais Únicos da Páscoa em Castelo de Vide: A Bênção dos Borregos, no Sábado de Aleluia, quando pastores levam cordeiros ao centro da vila para serem benzidos, tradição que remonta à proteção dos rebanhos e à simbologia do Cordeiro Pascal. Ainda a degustação da gastronomia de raiz judaica: o Domingo de Páscoa é marcado pelo Sarapatel (prato com sangue e vísceras de cordeiro) e pelo Bolo da Massa (pão ázimo), heranças da comunidade judaica.
O Sarapatel
O Sarapatel é, talvez, o mais importante prato pascal, servido ao almoço do domingo de Páscoa. O nome do prato é uma designação comum de diversas iguarias preparadas com vísceras de porco, cabrito ou borrego. Nascido no Alto Alentejo, em Portugal, o Sarapatel foi adaptado no Brasil e na culinária indo-portuguesa de Goa, Damão e Diu, outrora pertencentes ao Estado Português da Índia. Ainda hoje é possível provar o Sarapatel nas cidades fora do Alto Alentejo em restaurantes típicos alentejanos e indianos, estes especializados em cozinha Goesa. Para os gastrónomos, os Sarapatel faz parte da família de pratos onde se inserem as Papas de Sarrabulho, o Dinuguan e, como “primo afastado”, o arroz de Cabidela.
A terceira e importante tradição alentejana é a Procissão da Ressurreição. No domingo, mestres de ofícios e instituições locais desfilam sem imagens religiosas, somente com a custódia carregada pelo pároco — um protocolo com 400 anos.
A Páscoa em Castelo de Vide é um mosaico de fé, história e identidade cultural. Com a “Chocalhada” como emblema, a vila prova que tradições seculares podem resistir a pandemias e modernidades, mantendo viva a alma do Alentejo.