Crónica Cívica (com uma pitada de cimento e ironia)
Castelo Branco está prestes a receber — em teoria — mais um monumento à imaginação municipal: o Centro de Dinamização Empresarial, Cultural e Desportivo (CDECD). O nome soa a algo importante, robusto, europeu. Uma espécie de Coliseu Multifuncional, apresentado com entusiasmo numa cerimónia no Museu da Seda, como se a cidade estivesse prestes a entrar numa nova era de grandeza — pelo menos, nos renders do projeto.
A grande figura por trás da novidade é, claro, o atual presidente da Câmara, Leopoldo Rodrigues, cuja marca tem sido, até ao momento, mais visível nos anúncios do que nas ações concretas. A gestão autárquica de Rodrigues tem oscilado entre o tímido e o disperso, sem deixar grande rasto de transformação — a não ser nas redes sociais e nos cartazes que anunciam obras que, muitas vezes, não chegam a começar.
Este novo projeto surge em pleno contexto pré-eleitoral, o que não deixa de ser conveniente. Em política, como se sabe, a altura de plantar as sementes de betão costuma coincidir com a de colher votos. Ainda que não se mexa uma grua, vale sempre a pena prometer.
Segundo foi revelado, o CDECD será capaz de receber até 7.000 pessoas em pé e 2.000 sentadas — números generosos para uma cidade que, na prática, continua a debater-se com lacunas em serviços essenciais, desde apoio social a habitação acessível. Mas obras grandes enchem mais o olho que relatórios de carência.
Para tentar dar solidez à empreitada, Leopoldo recorreu ao nome do antigo presidente Joaquim Morão, referindo que o projeto também resulta da sua visão. Ora, Morão é uma figura incontornável na história recente do município — conhecido como o obreiro do betão e da calçada futurista, deixou a sua marca com avenidas largas, rotundas pensadas ao milímetro, e uma ideia de cidade moderna, ainda que, por vezes, mais voltada para a forma do que para o conteúdo.
Mas enquanto Morão erguia cimento com ritmo e convicção, o que vemos hoje é uma gestão que se perde entre intenções e apresentações. Não há projeto executado, não há data para obra, e — verdade seja dita — nem se sabe se Leopoldo Rodrigues estará no cargo quando, e se, as obras começarem.
Mais do que um plano de desenvolvimento, o CDECD parece encaixar-se no já habitual fenómeno autárquico: anunciar grandes obras como se fossem actos fundadores de uma nova civilização, mesmo que fiquem a marinar eternamente na gaveta das promessas por cumprir.
É certo que qualquer município tem o direito — e o dever — de sonhar. Mas há uma linha ténue entre visão estratégica e devaneio promocional. E quando os problemas quotidianos dos cidadãos continuam por resolver, anunciar pavilhões monumentais pode soar mais a distração do que a desenvolvimento.
Castelo Branco merece mais. Merece ambição, sim, mas acompanhada de execução. Merece memória, mas não como amparo para a ausência de rumo. E, sobretudo, merece uma gestão que conheça a diferença entre o palco e o estaleiro.
Por agora, temos o render. E o discurso. O resto, veremos… ou talvez não.
Nota editorial:
Este texto é uma crónica de opinião com recurso a sátira política. As opiniões aqui expressas são da responsabilidade do autor e encontram-se protegidas pelos princípios da liberdade de expressão e crítica em contexto jornalístico, conforme a Constituição da República Portuguesa.
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