Imaginem, caros leitores, um país que, em pleno século XXI, ainda consulta uma cidade-Estado do tamanho de um parque de estacionamento do El Corte Inglés para decidir a que horas o Sporting joga à terça-feira. «INFORMA-SE O VATICANO que o Sporting joga às 18h00. Combinem lá isso», escreveu alguém numa rede social, num delírio que oscila entre a paródia e o manual de instruções para a subserviência crónica. A piada, claro, não está na piada. Está no facto de ser plausível.
Portugal e o Vaticano mantêm uma relação digna de um casamento aberto do século XV: fingimos que não sabemos das amantes (Concordatas), e eles fingem que não nos cobram aluguer pela alma. A última vez que verifiquei, não consta que o Papa Francisco tenha um WhatsApp aberto com as Finanças para ajustar o IVA das hóstias. Mas eis o cerne: vivemos numa nação onde um cardeal, em vez de um ministro, parece deter o manual de instruções da res publica. O Vaticano não é um Estado — é um FMI litúrgico, o primeiro agiota da História, que em vez de juros altos cobra indulgências em dose dupla.
O Primeiro Banco Demasiado Grande para Cair
Recuemos. Em 2024, a Santa Sé detinha 5.400 milhões de euros em ativos, segundo a Reuters. Nada mau para um país cujo principal produto de exportação são velas e remorsos. Mas Portugal, ah, Portugal! Em 1147, prometemos ser bons meninos em troca de uma ajudinha para expulsar os mouros. Em 2025, pagamos a dívida com juros de 800 anos em forma de isenções fiscais para seminários que formam influencers de batina.
Aqui, a lógica do absurdo atinge o crescendo: se o Vaticano desaparecesse amanhã, Portugal entraria em colapso. Não por falta de fé, mas por falta de contabilidade criativa. Quem mais nos emprestaria identidade, tradição e um branding de «paixão triste» a troco de um lugar na fila do confessionário? Até a pandemia da COVID-19, que matou 6,28 milhões globalmente, foi tratada aqui com rezas ao Espírito Santo e procissões online a Fátima — porque, afinal, Galileu já nos avisou: «O período de oscilação de um pêndulo só depende do comprimento do fio». Tradução: balançamo-nos há séculos na corda bamba entre a razão e a tradição, e ainda chamamos a isso equilíbrio.
Como Salvar a Alma Vendendo o Corpo
Mas eis a ironia suprema: criticar o Vaticano em Portugal é como criticar o oxigénio enquanto se usa uma máscara de mergulho. Ataco-o por ser um covil de dogmas, mas reconheço que, sem ele, seríamos uma província espanhola especializada em tapas de bacalhau (sim, desrespeitei a regra — façam-me frente). Condeno-o por acumular riqueza enquanto pregava a pobreza, mas admito: foi essa mesma riqueza que financiou a nossa independência, a Inquisição (ups), e os pastéis de Belém (uma startup jesuíta do século XIX).
A verdade? O Vaticano é o espelho do nosso próprio delírio coletivo. Precisamos dele como o alcoólatra precisa do copo: não pela bebida, mas pela desculpa de continuar a beber. Propus o fim das igrejas, sim, mas somente para descobrir que, sem elas, teríamos de inventar novas mitologias. Já imaginou o caos de um país onde o primeiro-ministro substitui o Papa nas preces da chuva? Onde as jornadas mundiais da juventude são substituídas por seminários sobre sustentabilidade?
Despeço-me, pois, convertido ao Obviosismo — a nova religião onde se adora o evidente, o trivial, o «mas-que-raios-anda-aqui-a-acontecer». O Vaticano permanecerá, claro. Porque, no fundo, caríssimos, preferimos a comédia divina à tragédia de termos de pensar por nós mesmos.
Resta uma luz — ténue como a chama de uma vela no Altar-Mor. Se um dia o pêndulo de Galileu parar, talvez descubramos que fé e razão não são polos opostos, mas extremos da mesma corda. Até lá, continuaremos a dançar o vira da submissão, entoando em surdina: «Santa Sé, Santa Sé, não nos deixeis cair em tentação… nem em auditorias fiscais».