Montenegro conseguiu o pleno com a sua comunicação ao país sobre segurança. Da esquerda à direita ninguém gostou da “conversa em família”, excepto o PSD e CDS. Mas mesmo dentro do PSD há vozes críticas da intervenção de Montenegro. Enquanto, a oposição classifica a comunicação como uma acção de propaganda e de “caça aos gambuzinos”
A oposição criticou, esta quinta-feira, o discurso de “propaganda” e “alarmista” do primeiro-ministro, Luís Montenegro. Mas mesmo dentro do PSD já começam a soar as vozes críticas ao discurso. Miguel Morgado, ex-deputado e conselheiro de Passos Coelho, já manifestou “surpresa e perplexidade” sobre a forma da comunicação do primeiro-ministro.
No seu espaço de comentário na SIC Notícias, Morgado criticou a forma, mais do que o conteúdo. “Não me interessa se não tinha outra hora na agenda. Para todos os efeitos é a hora nobre a que o primeiro-ministro fala ao país”, disse e acrescentou que há um problema com a ministra da Administração Interna: “Se o primeiro-ministro não tem confiança nas competências comunicacionais da ministra da Administração Interna, nem ninguém tem, então há um problema de competência porque a competência comunicacional faz parte do que é necessário para ser ministro.”
Outras vozes preferem ficar no anonimato, mesmo entre os que defendem a importância da mensagem, para dentro e para fora, como forma de tranquilizar a população: “Até podia ser uma forma de dar palco às duas ministras da tutela (Administração Interna e Justiça)”, confessam ao Expresso , sendo que Margarida Blasco tem estado debaixo de críticas: “É um erro ser um primeiro-ministro a tratar este tema e desta forma; agora tem de ser sempre ele a falar sobre Segurança”, afirma uma fonte partidária. Ao que um antigo dirigente acrescenta que é mais um exemplo de que só o Luís Montenegro tem força política neste executivo: “Percebe-se que só o PM é que marca golos.”
Estas reações surgiram depois de Luís Montenegro ter feito, esta quarta-feira, uma declaração ao país em horário nobre de televisão e anunciado que o Governo vai aprovar em Conselho de Ministros uma autorização de despesa de mais de 20 milhões de euros para a aquisição de mais de 600 veículos para PSP e GNR.
Um dos primeiros a reagir foi o Partido Socialista (PS) que acusou o primeiro-ministro de reciclar ideias do Governo anterior. Ouvido pela TSF, o deputado e antigo ministro da Administração Interna José Luís Carneiro lembrou que esta ajuda financeira às forças de segurança estava prevista desde agosto de 2022.
“Um dos concursos para aquisição de viaturas estava em fase de conclusão, e ia permitir a entrega de 789 veículos às forças de segurança em outubro de 2023”, recordou o deputado socialista.
José Luís Carneiro considerou ainda que as declarações do primeiro-ministro foram desproporcionais e deslocadas, lembrando que “este tipo de intervenções é feito pelo Sistema de Segurança Interna”.
Todos estranharam…
Já a líder parlamentar da Iniciativa Liberal (IL), Mariana Leitão, admitiu à TSF que acha estranho ser Luís Montenegro o porta-voz de temas que, no entender do partido, não são da responsabilidade do chefe do Governo.
Para a Iniciativa Liberal, a prioridade devia passar por colocar mais polícias nas ruas, “coisa que não acontece, porque, muitas vezes, têm um conjunto alargado de tarefas administrativas ou acabam por ficar alocados às esquadras. As viaturas ajudam, mas não resolvem o principal problema, que é ter mais policiamento de proximidade”, conclui a líder parlamentar dos liberais.
A líder parlamentar da IL citou ainda dados do relatório anual de segurança interna do ano passado, para lembrar que houve, de facto, um aumento na criminalidade em Portugal, nos últimos anos. Mariana Leitão recusou, por isso, que as declarações do primeiro-ministro sejam baseadas em “achismos”, mas pediu mais no que toca à segurança.
O deputado do PCP António Filipe, também ouvido pela TSF, considera que estas declarações de Luís Montenegro “alinham no discurso alarmista e securitário que não tem justificação”.
À esquerda, as posições são unânimes, tendo o porta-voz do Livre, Rui Tavares, considerado que “o primeiro-ministro faz operações de propaganda a correr, atrás do prejuízo dos votos do Chega”. Aliás, para Rui Tavares, “há problemas importantes no país que não estão a ser tratados, nem financiados”.
Mariana Mortágua, em declarações aos jornalistas, na Assembleia da República, acusou o Governo de usar meios do Estado para uma “caça às perceções” de insegurança. A coordenadora do BE salientou que às 20h00 é normalmente a hora utilizada pelos responsáveis políticos para comunicar matérias importantes ao país.
“E o primeiro-ministro, Luís Montenegro, convoca uma conferência de imprensa em horário nobre para anunciar meios que já estavam contratados para resolver um problema que o próprio diz que não existe na sua declaração que faz ao país às oito da noite. Isto seria caricato. E é. Não fosse ser também grave”, criticou Mariana Mortágua.
Na opinião da bloquista, “o primeiro-ministro está ativamente a contribuir para aumentar a perceção de insegurança que o próprio diz querer combater”. “É uma caça às perceções. É pior que uma caça aos gambuzinos. E é ainda mais grave porque o primeiro-ministro está a mobilizar meios do Estado na sua caça às perceções”, acusou.
Por sua vez, a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, considerou a declaração “absolutamente inusitado” e criticou o primeiro-ministro por “assumir as funções de porta-voz dos órgãos de polícia criminal”.
“Não nos parece razoável, como também não parece acautelar o princípio da separação de poderes, ainda que no âmbito de um caso que consternou o país e que nos preocupou, tendo em conta o contexto de insegurança que foi vivido”, afirmou, numa alusão aos desacatos que se sucederam à morte de Odair Moniz.
A deputada única do PAN manifestou ainda estupefação por o primeiro-ministro “extrapolar a dimensão de um caso para o horário nobre, em pleno processo orçamental”, salientando que a Assembleia da República tem precisamente neste momento os instrumentos para conseguir responder a questões como a valorização das forças de segurança, dos órgãos de polícia criminal, dos bombeiros, Proteção Civil e Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
Por outro lado, também em declarações aos jornalistas no parlamento, André Ventura salientou que a prática em Portugal tem sido que, quando há uma declaração marcada pelo primeiro-ministro ou pelo Presidente da República para as 20h00 é para comunicar “assuntos iminentemente urgentes ou novos”, considerando que o se verificou na quarta-feira foi “uma trapalhada política”.
O Chega admitiu estar preocupado com aumento da criminalidade em Portugal e esclareceu que o Governo “apenas disse a realidade que existe no país e que o Chega tem vindo a denunciar já há vários anos”.
“Anunciar conclusões de ações da PSP parece-me uma extrapolação das funções de um primeiro-ministro. Não é ele quem deve fazer estes comunicados, e aí percebo a lógica de haver aqui algum aproveitamento”, adiantou.
PSD “está a apresentar medidas e resultados ao país”
O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, que respondeu às críticas da oposição através da TSF, considera que estas não fazem sentido. Aliás, disse que “é obrigação do primeiro-ministro comunicar ao país aquilo que o Governo está a fazer em termos de segurança pública”.
“Eu diria que cada vez que a oposição acusar Luís Montenegro de propaganda significa que o primeiro-ministro e o Governo têm razões para apresentar medidas e resultados ao país, o que significa que está o governo no bom caminho”, referiu.
“Muito curioso que o PS, cada vez que o Governo repõe justiça nos salários das forças e do serviço de segurança, cada vez que o Governo recupera a contagem do tempo integral de serviço dos professores, cada vez que o Governo valoriza a carreira dos enfermeiros, dos técnicos, da sociedade de justiça, dos guardas prisionais, cada vez que o Governo decide o quer que seja, o PS vem dizer que tinham a intenção de o fazer. Eu só não percebo é porque é que se era tão fácil, porque é que não o fizeram nos últimos oito anos”, acrescentou.