Na Covilhã, cidade serrana de paisagens idílicas e tradições profundas, há um novo monumento em construção. Não se trata de uma obra de pedra, nem de uma homenagem aos heróis da terra, mas sim de um dinástico império político e empresarial, cuidadosamente erguido por Jorge Patrão e Cristiana Terras, um casal que conseguiu transformar o seu percurso de vida numa alegoria do poder autárquico à moda antiga. Neste conto de clientelismo, favoritismo e silêncios cúmplices, a transparência não é mais que uma palavra perdida nos corredores de uma Câmara Municipal que mais parece uma empresa familiar.
Comecemos pelo senhor Jorge Patrão, o homem que parece saber mexer nos cordelinhos certos na Covilhã. Foi vereador da Câmara Pelo Partido Socialista, presidente da Região de Turismo da Serra da Estrela, dirigente do Sporting da Covilhã, e atualmente, (Presidente) comanda a Parkurbis, o parque tecnológico da cidade. Um currículo invejável, onde o carimbo do poder autárquico e regional é o principal distintivo. Mas, em vez de descansar sobre os louros conquistados, Jorge preferiu assegurar que o seu império doméstico também brilhasse nos meandros da administração pública. E é aqui que entra a sua esposa, Cristiana Terras, com um percurso digno de ser estudado em qualquer manual de como fazer carreira meteórica na função pública.
Cristiana, que em 2018 entra para os quadros da Câmara da Covilhã como técnica superior de comunicação social, viu a sua sorte mudar em tempo recorde. Apenas um ano depois, e eis que surge como dirigente de 3º grau, algo que, convenhamos, não está ao alcance de qualquer mortal sem que tenha uma estrela da sorte, ou, neste caso, um marido bem posicionado no céu covilhanense. Hoje, Cristiana Terras é nada menos que a responsável pela comunicação da Câmara, diretamente dependente do presidente Vítor Pereira (PS), uma posição de delicada influência e que, em mãos erradas, pode ser uma arma de controlo narrativo formidável.
Mas o conto de fadas não acaba aqui. Cristiana Terras, para além da sua promissora carreira no serviço público, tem ainda tempo e engenho para se associar a duas empresas no ramo imobiliário, a Embrace Reference e a APR Investiments. Diz-se que a sua contribuição se limita a “emprestar” o nome às firmas, enquanto quem de facto comanda os negócios é o marido. Será esta uma prova de que, afinal, o nepotismo não é assim tão desajustado? Em tempos de crise no setor imobiliário, não há nada como manter as coisas em família.
E o que dizer do saudoso irmão de Jorge Patrão, Luís Patrão, ex-deputado do PS e antigo chefe de gabinete do inefável José Sócrates? Parece que a família Patrão sabe, como poucas, o caminho até ao coração do poder. No entanto, à medida que os anos passam e os esquemas se vão enredando, o que transparece da Covilhã não é uma terra de oportunidades para todos, mas sim um círculo fechado de influências e favores. A transparência? Essa desapareceu, qual nevoeiro serrano, deixando a população a tentar adivinhar onde termina a Câmara e começa o império empresarial do casal Patrão.
Afinal, como é que chegámos aqui? Como é que uma cidade como a Covilhã, que tem tanto potencial, está nas mãos de quem parece gerir os interesses públicos como quem gere os privados? A resposta talvez esteja na complacência de quem devia fiscalizar, ou na indiferença de quem já aceitou que o poder local em Portugal é, muitas vezes, um negócio de família. No meio deste cenário, quem sai prejudicado? A cidade, os seus cidadãos, e o futuro de uma democracia local que se quer transparente, justa e para todos.
O verdadeiro problema não é que Jorge Patrão e Cristiana Terras tenham carreiras de sucesso, ou que tenham empresas e influência. O problema é que tudo isto se faz numa teia de relações que levantam sérias questões sobre a separação entre o público e o privado, entre o interesse coletivo e os arranjos familiares. Mas, até lá, a Covilhã vai assistindo, em silêncio, à ascensão do seu novo casal real. E como em qualquer reino, só o tempo dirá se a queda será tão espetacular quanto a subida.