Um número crescente de concursos públicos está a ficar deserto por todo o território nacional, deixando em suspenso obras fundamentais e investimentos estratégicos das autarquias. A situação, que atinge tanto grandes centros urbanos como regiões do interior, é atribuída à falta de mão-de-obra qualificada e ao aumento acentuado dos custos de construção
No Algarve, o fenómeno tornou-se particularmente evidente. Em Loulé, o vice-presidente da câmara, David Pimentel (PS), denuncia uma escalada preocupante. Só entre janeiro e abril deste ano, ficaram desertos um quarto dos 32 concursos lançados. Em anos anteriores, esta realidade era marginal.
Em Albufeira, o presidente José Carlos Rolo (PSD) relata casos de concursos com apenas um concorrente, como acontece com uma empreitada de cerca de nove milhões de euros, cuja viabilidade está agora dependente da continuidade dessa única empresa.
A Universidade do Algarve soma seis concursos desertos nos últimos dois anos, sendo que cinco das nove empreitadas financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), no âmbito do alojamento no ensino superior, só avançaram após o aumento do preço base.
No Alentejo, o cenário repete-se. O presidente da Câmara de Montemor-o-Novo, Olímpio Galvão (PS), sublinha que, mesmo após rever em alta os preços das obras, as empresas continuam a recusar-se a concorrer. A reabilitação do Convento da Saudação é exemplo disso: 17 empresas mostraram interesse, mas nenhuma apresentou proposta. A obra teve de ser fracionada e relançada por fases.
Também em Setúbal, Santiago do Cacém e Palmela enfrentam dificuldades semelhantes. A Câmara de Palmela admite que os custos galopantes dos materiais de construção estão a inviabilizar projetos estruturantes, como os previstos nas Estratégias Locais de Habitação, financiadas pelo PRR, que dificilmente serão concluídas até ao fim de 2025.
Na Área Metropolitana de Lisboa, Odivelas é um dos municípios afetados. O presidente Hugo Martins (PS) aponta casos como a ampliação do Pavilhão Honório Francisco, a nova Unidade de Saúde da Pontinha e a Divisão Policial local, todos com concursos desertos.
A oeste, Alcobaça viu quatro dos cinco concursos lançados em 2025 ficarem desertos, dois dos quais ligados ao Mosteiro de Santa Maria. Um só recebeu uma proposta; o outro teve de ser relançado com preço mais elevado.
Em Leiria, embora os dados de 2022 e 2023 fossem positivos, em 2024 já se registaram três concursos desertos, obrigando a autarquia a rever os valores base.
No Centro, os municípios da Mealhada, Oliveira do Bairro, Arganil e Figueira da Foz acumulam repetições de concursos para obras diversas, incluindo centros de saúde, escolas e espaços públicos. Em muitos casos, apenas após aumentos substanciais dos preços base foi possível atrair interessados.
No Norte, a cidade do Porto registou cerca de vinte concursos desertos nos últimos três anos, incluindo a requalificação de escolas básicas. A autarquia reconhece que o mercado está sobreaquecido e que as empresas têm dificuldades em formar equipas, levando a uma seleção criteriosa das empreitadas a que se candidatam.
Braga registou três concursos desertos no último ano, enquanto Viana do Castelo enfrenta um impasse na construção do novo mercado municipal, que já viu três concursos ficarem sem concorrentes.
A falta de mão-de-obra e a escalada nos custos da construção colocam assim em xeque a execução de dezenas de projetos essenciais para as populações. A repetição de concursos, muitas vezes com preços mais altos, tornou-se a única saída possível para muitas autarquias, que se veem sem alternativas viáveis para dar resposta às necessidades locais.