– Senha 39, anuncia o écran seguido de um som metálico estridente e incomodativo.
Acabrunhado, sonolento e em passada pesada, D. Batráquio dirige-se ao postigo, ainda com as baias anti-covid. Na mão leva uns papéis e uma roma encarnada.
– Bom dia, afinal eram 8,30h, ensonado, o funcionário saudava-o. Por aqui?
– Olá, bom dia (D. Batráquio não usava o chess, já não era preciso), pois…
– Que o traz cá?
– A reforma, venho pedir a reforma. Reformaram-me. Eu não queria, mas o padrinho tramou-me. Logo agora que tudo corria bem, o padrinho chiba-se aos da judite. Lixei-me completamente, agora tenho de vender os apartamentos que comprei, talvez consiga 400 mil euros, a caixa deve-me dar qualquer coisa e mais estes dois mil euritos de reforma. Da mulher posso contar com zero, nunca soube fazer nada, talvez consiga qualquer coisa do contrabando, vendem-se umas vaquitas, desalugam-se uns terrenos e volto para o queijo.
– Bom, vejamos aqui a papelada. Como se reforma antes do tempo, vai receber menos 30% do último salário. Afinal é funcionário público e safa-se. Quer incluir a caixa?
– Se receber mais uns euritos…
– Deve dar mais uns 100 euros líquidos.
– Quanto fico no total?
– Fica com mais ou menos 1.200 euros/mês líquidos, já com o dinheiro da caixa.
D. Batráquio tinha consigo o impossível: de uma penada, os rendimentos oficiais tinham passado a metade do que tinha auferido até aí. Isto sem contar com o cartão de crédito, as viagens, as estadias, e sobretudo os presentes (sempre em dinheiro) recebidos ao longo de 23 anos.
Um valente murro no estômago.
De repente, tinha passado de um tipo que todos conheciam e queriam pedir coisas a um pária. Subitamente ninguém sabe quem ele é.
As portas fechavam-se ou nem sequer se abriam, aqueles todos que tinha ajudado, agora nem sabiam quem ele era.
Voltou a Ribeiro do Reca, donde pensava nunca mais voltar na pior das situações.
Passou a ter sido.
A ter sido isto, a ter sido aquilo, a ter feito isto, e ter feito aquilo.
Dos discursos que botava, sempre que a oportunidade se punha, passou a ser ostracizado e até a ser convidado a ficar lá pelos queijos. De repente, o seu telefone passou a ter lepra.
As ambições, essas, foram-se. Esgoto abaixo assim que o padrinho se chibou.
Passou a ser aquilo que fez aos outros: Tóxico.