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DE CAMPO MAIOR A OUTRAS PARAGENS…

A vida dá muitas voltas e voltinhas, soe dizer-se. Tem muitas retas a percorrer e montras a contemplar, à mistura com imensas curvas, contracurvas e esquinas a dobrar e obstáculos a saltar. Ninguém deseja entrar por becos sem saída, cheios de lixo, escuridão e grafites sem leitura. O sonho comanda a vida, escreveu o poeta. Só o fará, porém, se a vida se deixar mesmo comandar pelo sonho, o que nem sempre acontece.

Beatriz de Menezes da Silva nasceu em 1424, em Campo Maior, distrito de Portalegre. Era a oitava filha de D. Rui Gomes da Silva, Alcaide de Campo Maior, e de D. Isabel de Meneses, Condessa de Portalegre, filha de D. Pedro de Meneses, Conde de Vila Real. Descendia também dos condes de Ourém e Barcelos, linhagem antiga a entroncar em D. Sancho I, rei de Portugal. Quando sua prima, Isabel de Portugal, casou com D. João II, rei de Castela, Beatriz foi para a corte de Castela com a sua prima, como dama de honor.

Narram as crónicas que Beatriz foi bafejada por distinta apresentação e beleza, por natural polidez e empatia, por qualidades morais e virtudes extraordinárias a merecer, de todos, a maior admiração e elogios. Pelo que li, só a rainha Isabel de Portugal é que começou a inchar de ciúmes e de morrinha anti Beatriz, a ponto de a querer aviar desta vida para melhor numa artimanha macabra lá pelos subterrâneos do palácio. Na hora da extrema aflição e sofrimento, Beatriz invoca Deus e entrega-se nas suas mãos. Quando já estava mais para lá do que para cá, brilhou naquela escuridão e antecâmara da morte uma grande luz: apareceu-lhe a Virgem Imaculada, com o Menino Jesus ao colo, vestindo um hábito e escapulário brancos com um manto azul-celeste sobre os ombros e doze estrelas sobre a cabeça, que lhe disse: “Minha filha, vês os hábitos que trago? Pois bem. No fim de três dias serás livre desta prisão e fundarás uma Ordem religiosa em louvor da minha Conceição Imaculada”.

Depois de três dias de ausência da corte, todos começaram a notar o estranho sumiço de Beatriz, a qual não fora caçar gambozinos para os arredores do palácio nem dar umas voltinhas pelos festivais de Marvão, do Crato, de Vilar de Mouros, de Paredes de Coura ou do Rock in Rio, pois ainda não existiam. Dom João de Menezes, seu tio, intrigado, procurou a rainha Isabel para saber se ela sabia do paradeiro da sua sobrinha. De nariz empinado com tal preocupação e curiosidade, sempre levou o tio à cave do palácio, esperando que ele encontrasse um cadáver já empestado. Em vez disso, eis uma inaudita surpresa, triste surpresa para Isabel, feliz para Dom João. Beatriz estava bela, sorridente e de rosto iluminado, deixando a Rainha com cara de caso.

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Em seu tempo, Beatriz, humildemente, pediu autorização para sair da Corte e ir para um Mosteiro. E logo parte para o Mosteiro de São Domingos, em Toledo, preparando-se, na obediência e no silêncio, na ação e na oração, para a grande missão que Nossa Senhora lhe confiara. Depois de mais de 30 anos, Nossa Senhora volta a aparecer-lhe, animando-a à criação da sua Ordem religiosa: a Ordem das Concepcionistas, a Ordem da Imaculada Conceição. Por ironia do destino, se Isabel de Portugal, a rainha de Castela e sua prima, lhe queria oferecer o bilhete para a barca de Caronte, foi agora a sua filha, também ela com o mesmo nome de Isabel – Isabel, a Católica – foi ela quem se tornou cofundadora e benfeitora da nova Ordem religiosa. Doou à Ordem os Palácios de Galiana e a Igreja de Santa Fé e ajudou a conseguir a Bula de Aprovação da Ordem pelo Papa Inocêncio VIII em 1489.

Deixando o Mosteiro de S. Domingos em 1484 e acompanhada por 12 jovens, entrou nos palácios de Galiana já adaptados à forma de Mosteiro. Como Nossa Senhora lhe apareceu vestida, assim elas começaram a usar hábito e escapulário brancos, manto azul e cordão à cintura.

Aos 67 anos, Beatriz recebeu uma terceira visita de Nossa Senhora, que lhe disse: “Minha filha, prepara-te que de hoje a 10 dias virás comigo para o paraíso”. Beatriz interrogou-se sobre o futuro da sua Ordem e das suas filhas espirituais ainda jovens. Implora a proteção de Deus para a Obra e coloca-a sob a proteção dos Franciscanos, também eles defensores da Conceição Imaculada de Maria.

A 9 de agosto de 1491 partiu com fama de santidade. Quem assistiu aos últimos momentos de Beatriz, testemunhou toda a serenidade e beleza que expressava, a aura celestial de paz e felicidade que envolvia o seu rosto. A notícia logo se espalhou por toda a região, o povo convergiu para o mosteiro para contemplar o acontecido.

Cerca de 400 anos antes da declaração oficial, Beatriz dá um testemunho vivo de fé no dogma da Imaculada Conceição. Paulo VI canonizou Beatriz a 3 de outubro de 1976. Liturgicamente, celebra-se a 17 de agosto. Seu Irmão, o franciscano Beato Amadeu da Silva, foi grande e influente em Itália, foi confessor e conselheiro do Papa Sisto IV, celebra-se a 12 de agosto.

Quem for tomar café a Campo Maior – café DELTA, claro está -, esbarra com uma enorme estátua de Santa Beatriz da Silva, ali um pouco ao lado da também grande estátua do saudoso Empresário e Comendador Rui Nabeiro. E embora seja indispensável à vida e sejam precisas pessoas empreendedoras, como foi o caso de Rui Nabeiro, também é certo que nem só de pão vive o homem, mas também da Palavra que sai da boca de Deus. Que ambos deem as mãos e unam as suas vozes a interceder por todos nós, mesmo que lhes apeteça gargalhar com tanta comédia humana pelos palcos desta vida.
A propósito, e porque é o sonho que comanda a vida, sei que a Comunidade de Monjas do Mosteiro de Campo Maior convida todas as jovens que sentem o desejo de se encontrar consigo mesmas e com Deus, para um retiro, de 4 a 7 de setembro próximo. Termina com a cerimónia da Profissão de Votos Simples de duas Irmãs.

Antonino Dias

 

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“É a logica que faz prestar atenção ao clamor do pobre, do mais fraco, do marginalizado, lógica de quem se opõe à violência dos que se servem da riqueza e do poder, da injustiça e da indiferença para humilhar e explorar os outros”, disse D. Antonino Dias - 22/11/2019".

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