Isto é que está cá uma moenga!… Sintomas de persistente desequilíbrio levam gente a dizer que Portugal pode afogar-se, não fosse ele um jardim à beira-mar plantado! Toda a malta sabe disso, mas os que têm o dever de ajudar a resolver o problema entretêm-se a picar os miolos uns dos outros lá pelos Passos Perdidos.
É uma espécie de morrinha. A morrinha é como o vício. O vício, mesmo que se saiba que pode matar, não há maneira de se acabar com ele. É quase sempre mais forte que a vontade. Vencê-lo exige determinação, coragem e bom senso.
No caso do território pátrio, mesmo que possa haver uma visão estratégica, um plano global que resulte e a todos corresponsabilize, mesmo que isso exista, parece mesmo que o não há. Será que se gerou o vício de o não haver mesmo? Obrigo-me a crer que o há, e, de quando em vez, vou incutindo esperança nos mais pessimistas. No entanto, estou convencido que, se o há, não basta que o haja, é preciso que também pareça que o há, o coração das pessoas precisa de alguma alegria e de esperança. Por razões que o coração não entende, esta gente está convencida que há muitas razões sem razão a influenciar os olhares e os interesses de quem tem mais poder e força, o que torna cada vez mais difícil virar o bico ao prego. De facto, o despovoamento deste interior assusta quem entra por essas aldeias adentro. O desabafo ouve-se constantemente: se não se achar um rumo bem determinado, corajoso e urgente, daqui a mais um breve tempo nem gente haverá que se possa assustar, já morreu toda. A demasiada inclinação para o mar faz pensar que a lusa gente do litoral vive a trabalhar para o bronze, na sua aprazível praia, enquanto que a deste lado só apanha água pela barba. O peso está todo pró lado do mar e o declive é grande. Segundo o Censo de 2021, 50% da população residente em Portugal está concentrada em apenas 31 dos 308 municípios.
Se já foi escorreito e saudável ao seu jeito – embora nunca obeso de riqueza e bem-estar! -, agora, este querido interior sente-se confuso por ter parado no tempo e por conservar as maleitas do costume que o tornam cada vez mais sofrido e a lamentar-se. É verdade que alguns dizem que não são maleitas, que a riqueza e a qualidade de vida está nos bons ares, na bela paisagem e nos comes e bebes à altura. É verdade que outros, falando ao gosto de cada auditório que os escuta, ora dizem que sim, ora dizem que não. Outros, ainda, dizem que muito já se fez e continua a fazer-se, que só diz que não se faz nada quem não sabe nem vê! Eu, sem querer dizer mal, sem negar o esforço que porventura se está a fazer e deixando-me interpelar pelo arengar de quem ouço, não sei se sei, não sei se vejo, o que vejo e sei é a realidade concreta que é superior ao sonho, à ideia, ao blablá.
O que sei e vejo bem é o esforço dos autarcas concelhos e locais, o dedicado e inteligente trabalho dos responsáveis pelas instituições de ensino superior, o saber e a criatividade de alguns serviços que amam a camisola e o povo, as ideias e o empenho de mais uns quantos, poucos, que, teimando, com o seu empreendedorismo nos vão alimentando a esperança de melhores dias, de uma viragem de direção nas vontades e nos investimentos, de uma coesão territorial mais sustentável e qualificada, de uma verdadeira conversão ao interior. No entanto, muito desejamos que a quaresma para essa conversão ao interior não continue a ser vivida apenas por quem por cá se vai mexendo, com parcos recursos e enfadonha burocracia. O desequilíbrio do território até se nota no número de deputados que representam e batalham por este interior. O número de deputados não pesa nada. Se não pesa o número, cada um deles também pesará pouco, por mais batalhador e brilhante que seja! Acabam mas é, também eles, por ajudar os que formigam, tenaz e continuamente, em levar a água a desaguar no mar de outros interesses e proximidades!
O problema já vem de longe, já deu muitos sinais e tempo para que fosse entendido e travado. Há municípios, pequenos e a minguar cada vez mais, que englobam em si vários concelhos de outrora. Estes também eram pequenos demais, é verdade, mas eram concelhos com gente, vida e garbo. Deles, como sinal da sua orgulhosa existência durante séculos, restam as Misericórdias, ainda hoje com atividade social de capital importância no terreno. Lembra-se o leitor de algum desses concelhos? Nisa, por exemplo. Sem deixar de ser um dos maiores do Alto Alentejo, é hoje um pequeno concelho com menos de seis mil habitantes. Além de mais algumas freguesias, ele engloba em si os antigos concelhos de Nisa, Alpalhão, Montalvão, Amieira do Tejo, Arez e Tolosa, pelo menos. Mais: dentro deste concelho de Nisa, já há freguesias que foram concelhos e hoje nem freguesias são, são União de Freguesias, cada uma com a sua Misericórdia.
Por terras da Beira Baixa e em cumprimento do meu ofício, algumas vezes sou pretexto para se visitar lugares sem ninguém, mas onde a capela do lugar continua a ser ponto de referência e devoção. Sabendo disso, os filhos do lugar, vindos de longe e de diversas partes, ali se juntam para se encontrarem e se reverem. As saudades são as memórias do coração: leem-se, releem-se e voltam-se a ler e a reler. A capelinha do lugar, é hoje o único lugar destes encontros esporádicos, mantem-se de pé e estimada. Foi sempre o maior pretexto para as principais reuniões e festas de família e de convívio com a gente das vizinhanças que ali acorria. Com os olhos humedecidos a rodar por todo aquele casario abandonado, que entusiasmo naquela gente a recordar os tempos por ali vividos e festejados! Quantas recordações, quanta vida por ali nasceu, cresceu e viveu!…