De madrugada as senhas fizeram ouvir-se na rádio, deram a ordem de saída dos militares. De todo o país, milhares de soldados juntaram-se ao Movimento das Forças Armadas para derrubar o regime. Das Vendas Novas saiu uma coluna da Escola Prática de Artilharia com a missão de ocupar o Cristo Rei, em Almada, e controlarem as movimentações da marinha e dos fuzileiro. De manhã, já era oficial: a Revolução tinha começado, “não ligando” às ameaças da fragata Gago Coutinho, fundeada no Tejo. À tarde, negociou-se a rendição e arrancaram os festejos. Pela noite, nascia em Portugal a Democracia. Um dia irrepetível.
Num pequeno “Passeio pela História” recente de Portugal com o Coronel Andrade da Silva, militar que teve intervenção direta nos acontecimentos da “Revolução dos Cravos”, concretamente num dos pontos estratégicos das operações militares, a zona do Cristo-Rei, e depois na libertação dos presos no Forte da Trafaria, apercebemo-nos que a revolução dos cravos poderia ter tido um outro desfecho, apesar do regime estar “a cair de podre”.
A Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, foi o primeiro quartel a entrar na Revolução, ainda não se tinham esgotado os últimos minutos de 24 de abril de 1974. Era lá que estava o então tenente Andrade da Silva que, antes de mais, teve de prender o comandante da sua unidade. Mais tarde, montou baterias no Cristo-Rei com mira orientada para Monsanto e para a fragata Gago Coutinho que, do meio do Tejo, ameaçava com os seus canhões as forças revolucionárias lideradas por Salgueiro Maia, concentradas no Terreiro do Paço. Otelo Saraiva de Carvalho, o estratega de Abril, tinha “dado ordens a Andrade da Silva para afundar a fragata, assim que disparassem o primeiro tiro”. Como sabemos hoje, não foi preciso abrir fogo.
A bateria tinha como principal objectivo bater em tiro directo qualquer coluna militar afecta ao Governo que tentasse atravessar a ponte sobre o Tejo, ou qualquer navio hostil que manobrasse no estuário do Tejo, e em tiro indirecto para outros objectivos pré-preparados.
Uma outra coluna militar de viaturas do Regimento de Cavalaria n.º 3, de Estremoz, comandada pelo Capitão Alberto Ferreira, surge, com algum atraso em relação à hora prevista, na Cova da Piedade, que, depois de ir ao encontro dos militares instalados no Cristo Rei, vai juntar-se às tropas comandadas pelo Capitão Salgueiro Maia, em Lisboa. O Destacamento de Fuzileiros e o Grupo n.º 2 de Escolas da Armada da Base Naval de Lisboa, do Alfeite, juntam-se às forças armadas.
Medo ou frio…
“Estava uma noite muito fria e uma neblina que se ‘entranhava’ nos ossos. Na altura pensei que poderia ser medo, mas afinal não era: era mesmo frio. Demoramos quatro horas das Vendas Novas a Almada, viemos sempre por estradas secundárias”, conta o coronel João Andrade da Silva (na altura tenente) que, na noite de 24 de Abril, deteve o Comandante e 2.º Comandante da Unidade, ocupou as Centrais Rádio e Telefónica e prendeu a totalidade dos sargentos que não aderiram. Os Furriéis e cabos Milicianos aderiram na totalidade.
O capitão Santos Silva chegou, entretanto, à Unidade e assumiu o seu comando falando aos restantes oficiais que de imediato aderem ao movimento. Estas acções foram executadas pelos Capitães Mira Monteiro, Patrício e os Tenentes Andrade da Silva, António Pedro, Sales Grade, Ruaz e Nave.
A companhia de artilharia motorizada da EPA monta segurança em Almada e à ponte do rio Tejo, sob ordens dos capitães Mira Monteiro e José Canatário Serafim, coadjuvados pelos tenentes Andrade da Silva, António Pedro, Ribeiro Baptista, Amílcar Rodrigues e Jesus Duarte, e alferes milicianos Carvalho, Salgueiro e Medeiros.
A coluna militar da Escola Prática de Artilharia, de Vendas Novas, composta por duas forças comandadas pelos capitães Oliveira Patrício (à frente de uma bateria com seis secções de bocas de fogo) e Mira Monteiro (com uma companhia de artilharia de quatro pelotões com funções de
infantaria), que ocupam, pelas sete horas da manhã de 25 de Abril, as imediações do santuário do Cristo Rei.
O histórico dia atinge as 9 horas da manhã, com a balança a pender, cada vez mais, para as forças revoltosas, o país toma consciência das horas históricas que estão a ser vividas. A fragata Almirante Gago Coutinho, comandada pelo capitão de fragata Seixas Louçã, toma posição no Tejo, em frente ao Terreiro do Paço, intimidando diretamente as forças de Salgueiro Maia.
Perante esta situação, a artilharia do Movimento, já estacionada no Cristo-Rei, recebe ordens do Posto de Comando para afundar a fragata no caso desta abrir fogo. O vaso de guerra terá recebido ordem do vice-chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Jaime Lopes, “para se preparar para abrir fogo”. A ordem de disparar nunca chegou.
O “descanso dos guerreiros”
Só com a leitura do primeiro comunicado do posto de comando do Movimento das Forças Armadas os militares envolvidos “na revolução” do 25 de Abril, tiveram a certeza que tudo estava a correr conforme o planeado.
Pela voz locutor do Rádio Clube Português, Joaquim Furtado, o MFA pedia: “Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom-senso dos comandos das forças militarizadas no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os Portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua acorrência aos hospitais, a fim de prestar a eventual colaboração que se deseja, sinceramente, desnecessária.”