Economia, habitação, imigração, Spinumviva dominaram o debate na RTP dos líderes dos oito partidos com assento parlamentar. Todos “malharam” em Luís Montenegro que, mesmo assim, garante que não há nada, enquanto os sete que tinha à sua volta continuam a não acreditar totalmente na versão apresentada pelo primeiro-ministro sobre o caso Spinumviva. O debate também ficou marcado pelo facto de Luís Montenegro não ter cumprimentado André Ventura
Os líderes dos partidos parlamentares reiteraram este domingo as suas críticas ao caso da Spinumviva, empresa fundada pelo líder do PSD, Luís Montenegro, com o Chega a garantir que a defender uma comissão parlamentar de inquérito se não forem dadas explicações.
No debate na RTP com a presença dos líderes dos oito partidos com assento parlamentar, André Ventura, presidente do Chega, defendeu a existência de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) enquanto “não houver esclarecimentos por parte de Luís Montenegro”.
Questionado sobre o tema, Luís Montenegro garantiu ter cumprido sempre as suas “obrigações declarativas” e disponível para responder a todos sobre esclarecimentos solicitados.
“Eu fiz tudo de boa fé nos parâmetros da lei e comportamento ético”, resumiu o primeiro-ministro em gestão, sublinhando não ser acusado de qualquer ilegalidade. Em réplica, já depois das considerações de todos os partidos, Luís Montenegro sublinhou que “o objetivo não é o esclarecimento, o objetivo é a luta política pura e dura”.
“Eu estou disponível para o escrutínio e para as explicações. O que não é justo é fazerem ofensas à minha honra, à minha honestidade de forma gratuita”, acrescentou.
Para o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, Montenegro “fez mesmo tudo para que aquela informação não fosse conhecida durante as eleições” numa referência ao pedido da Entidade para a Transparência de uma nova declaração de interesses designadamente para revelar clientes da Spinumviva, empresa fundada pelo social-democrata e que passou recentemente para os seus filhos.
O socialista argumentou ainda que Montenegro “não tem credibilidade, nem idoneidade para a função de primeiro-ministro”.
Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, quis colocar a tónica no facto de o seu partido, embora crítico, ter colocado o “interesse dos portugueses em primeiro lugar”, antecipando que os restantes não iriam estar à altura das circunstâncias.
O tema foi comentado por todos os partidos, com Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, e com Rui Tavares, do Livre, a defender que Luís Montenegro não esclareceu devidamente os portugueses quando o assunto foi tornado público.
“Ouvi as explicações e votei contra a moção de censura. Eu senti-me enganado, porque Luís Montenegro nos ocultou informação”, disse Rui Tavares.
Já para Mariana Mortágua, o líder da AD “arrasta o país para a ideia de mediocridade que é a normalização da promiscuidade entre o setor privado e público”.
“Luís Montenegro é vítima apenas das suas escolhas e da falta de noção que implica ser primeiro-ministro. Eu sou insuspeita, porque acreditei nessa versão que foi contada na Assembleia da República e depois percebemos que não foi nada disso”, acrescentou.
Paulo Raimundo, pela CDU, defendeu que Luís Montenegro deveria ter apresentado a sua demissão assim que o caso da Spinumviva ficou conhecido, assumindo que “era um grande contributo que tinha dado à democracia”.
Para terminar o assunto da Spinumviva, Inês Sousa Real, do PAN, disse que Luís Montenegro “é um grande artista, porque conseguiu transformar um problema pessoal num problema para o país”.
Os zigue e os zagues de Montenegro
O ainda primeiro-ministro quis passar a imagem que o secretário-geral do PS tem ‘duas caras’, utilizando o substantivo zigue-zague. Em dois momentos, primeiro sobre a imigração e depois sobre a habitação, o primeiro-ministro trouxe essa mesma ideia, com os vários partidos que se sentavam, quer à sua esquerda, quer à sua direita, a notarem na ideia algo que vinha preparado de casa.
A ideia é fácil: dizer ao eleitorado que o seu principal opositor, Pedro Nuno Santos, tem duas caras e duas versões nos diferentes temas. Um raro momento de ataque de Luís Montenegro, que pareceu não querer fazer demasiado barulho, quase como se não quisesse que se lembrassem dele.
E resultou, em grande parte, porque se falou quase tanto dos governos de António Costa, dos quais Pedro Nuno Santos fez sempre parte, como do ano e picos que está prestes a terminar para este Governo.
Mesmo quando o foco era colocado no que está a ser feito, Luís Montenegro voltava sempre “há um ano”, como fez na Saúde, para destacar a valorização das carreiras dos médicos, mas também de “todas as profissões que colaboram com o Serviço Nacional de Saúde”.
Na Saúde o que se fez na Imigração e também na Habitação, sobretudo nesta última, com os vários candidatos da direita a lembrarem que Pedro Nuno Santos teve, entre 2019 e 2023 a tutela daquela mesma pasta.
“É evidente que não tivemos tempo de provocar um efeito no mercado. Estamos a atuar do lado da oferta e do lado da procura”, apontou Luís Montenegro, referindo um aumento da construção pública, mas também uma linha de financiamento para os municípios cumprirem as suas metas.
Medidas, entre muitas outras, que, segundo o primeiro-ministro, serviram para ajudar jovens casais portugueses a conseguir comprar habitação. Mariana Mortágua diria ao fundo que “nem todos conseguiram”, enquanto Pedro Nuno Santos reforçava: “A maioria não conseguiu”.
Mas, mesmo admitindo um problema de atraso no sector, Luís Montenegro atirou para os governos de António Costa, e indiretamente para a gestão de Pedro Nuno Santos enquanto ministro, o “medo” incutido junto dos senhorios, o que impede, na ótica da AD, que existam mais casas disponíveis no mercado de arrendamento.
Acusações já depois de Pedro Nuno Santos até ter admitido que concorda com a AD numa coisa: é preciso mais construção, “é preciso construir mais”. “E pára aí”, apontou o secretário-geral do PS, lamentando que se esteja hoje mais longe de conseguir comprar uma casa.
O socialista apontou que outros governos deviam, há 20 e 30 anos, ter começado a pensar no assunto. E foi aí que Carlos Daniel lembrou que foi o PS que mais tempo esteve no poder nesse período. Só que Pedro Nuno Santos passou ao lado, dizendo antes que medidas bondosas do Bloco de Esquerda podem ter efeitos nocivos, até porque “a regulação do mercado é importante”.
Nocivo à esquerda o Bloco de Esquerda, nefasto à direita: “Todas as medidas que a AD tomou tiveram o efeito nefasto de aumentar a pressão do lado da procura”.
Do lado nocivo, na visão de Pedro Nuno Santos, Mariana Mortágua quis puxar para si o mérito de ter trazido uma das duas propostas, segundo a própria, que mais se debateram nas últimas semanas. O teto às rendas claro, que continua a defender, enquanto a Iniciativa Liberal traz uma visão totalmente diferente: o descongelamento total das rendas e uma garantia de ação pública para quem precisar mesmo. A meio, e até aproximando-se de algo que Pedro Nuno Santos defendeu, Paulo Raimundo sugeriu que os mais de seis mil milhões de lucros da banca sirvam precisamente para esta área.
O Zigue e o Zague, os tais, já tinham aparecido antes, muito antes, na Imigração, onde os partidos caíram todos em cima daquilo a que chamaram eleitoralismo de Luís Montenegro com o anúncio de que a AIMA se preparava para expulsar milhares de imigrantes em situação ilegal.
Economia
No último tema, sobre economia, Luís Montenegro discordou de se estar a falar em “contração” da economia: “O tremendismo da expressão contração não é aplicável”, disse recordando os resultados do último trimestre do ano passado. “Mantenho o otimismo”, disse.
Em resposta, Pedro Nuno Santos salientou que efetivamente houve um “recuo” no primeiro trimestre e que isso significa que no final do ano os resultados económicos não podem ser os que estão no programa da AD: “É uma mentira.”
Para o socialista, as “políticas do PS preparam o país para um cenário de incerteza ou aumento de inflação se continuar a guerra comercial”. “É mais realista porque custa metade do da AD.”
Já André Ventura diz que a previsão da AD é “completamente ilusória” e que o programa é uma “fantasia”. E depois diz a Luís Montenegro que efetivamente a economia “contraiu” e ainda por cima “pagamos uma carga fiscal recorde”.
Emigração
O tema da imigração foi o segundo do debate e aqueceu os ânimos entre os candidatos. Pedro Nuno Santos acusou o primeiro-ministro de ter aproveitado a decisão administrativa de expulsão de imigrantes de forma “propagandística” para uma “disputa direta com o Chega”.
Na resposta, Luís Montenegro considerou que o PS andou em ziguezagues sobre a imigração e acusou o PS de ter deixado o país “numa balbúrdia”. Nas suas respostas, Montenegro acusou ainda PS e Chega de se terem juntado para chumbar medidas do Governo no Parlamento o que levou a um momento mais quente também com Ventura que disse a Montenegro que se tratava de “eleitoralismo deplorável” e que houve anos em que durante o Governo PS foram expulsos mais imigrantes.
Rui Rocha, da IL, defendeu uma política diferente da do PS, criticando a separação entre a parte policial e a parte administrativa que levou à extinção do SEF.
Mariana Mortágua acusou o Governo de se deixar levar pelos temas da extrema-direita e arrastar o centro com isto com “laivos” de racismo e xenofobia e Paulo Raimundo entrou no tema a perguntar: “De que país estamos a falar?” O comunista diz que se trata de pessoas que vêm para cá trabalhar.
E Inês de Sousa Real diz que a imigração “não é um dos flagelos deste país” e que está a ir atrás da agenda do Chega. Rui Tavares foi duro nas críticas ao Governo dizendo que aparecer num sábado é para propaganda e lembrou que em três dos quatro anos de ‘geringonça’ houve mais notificações para imigrantes saírem do país. E virou-se para Ventura a dizer que devia pedir desculpa pelos deputados que pôs no Parlamento e que cometem crimes.