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Dia da Terra: A Farisaica Liturgia do Capital

Hoje, caro leitor, é o Dia Mundial da Terra. Não da Terra e do Mar, note-se, o que constitui uma ofensa directa à nossa geografia e aos versos do hino nacional, que insistem em mandar-nos “sobre a terra e sobre o mar”. Com isto, tramamo-nos. Hoje cantamos “sobre a terra e lá, lá la´” … como se o mar fosse um mero pano de fundo para auto-retratos em barcos a motor. Celebramos, assim, um planeta reduzido a cartão reciclado, enquanto as multinacionais despejam retórica ecológica p’los canais de comunicação como quem atira sacos de plástico biodegradável ao oceano.

A efeméride, dizem-nos, serve para “refletir”. Refletir sobre quê? Sobre o facto de a Tesla vender carros eléctricos — cuja produção de baterias consome mais lítio que o necessário para enfiar um transatlântico no rabo de uma formiga — enquanto os seus CEO’s posam com pandas de pelúcia em campanhas de “carbono zero”? Ou sobre o sublime espectáculo de governos que, após décadas a venderem licenças de poluição como se fossem bilhetes para o Inferno de Dante, nos pedem agora para “apagar as luzes” durante o jantar? Sim, apaguemos as lâmpadas. Talvez assim não vejamos os resíduos tóxicos a brilhar no rio Tejo.

Olhó carbono fresquinho…

Mas não se iluda: o verdadeiro milagre da ecologia moderna chama-se “mercado de emissões de carbono”. Um sistema tão genial que até faria corar os criadores do Monopólio. Aqui, cada país recebe um “saco de batatas” — metáfora vegetariana para quotas de poluição — que pode comer, vender, ou trocar por um punhado de acções na próxima start-up de energia eólica. Se a Noruega, por exemplo, decidir não poluir um rio este ano, pode vender essa virtuosidade à China, que imediatamente o envenenará em seu lugar. Todos ganham. Principalmente a Terra, claro, que fica com um belo certificado emoldurado a declarar: “Morri, mas foi sustentável.”

E os factos? Em 2023, a União Europeia gastou 380 mil milhões em subsídios a empresas de energias renováveis, enquanto permitia que a Bayer-Monsanto continuasse a pulverizar glifosato em 70 por cento das terras agrícolas do Velho Continente. Não é hipocrisia. É “ecocapitalismo” — um neologismo tão oco quanto os discursos de Greta Thunberg lidos por um holograma de Steve Jobs.

E o cúmulo: os mesmos bancos que financiaram plataformas de petróleo no Árctico agora oferecem “cartões de crédito verdes”. Pontos por cada árvore plantada! Compre um SUV eléctrico e ganhe uma minifloresta de plástico para colocar no tablier! A lógica é simples: polua, mas compre o perdão. A absolvição ambiental tem preço, e a Igreja do Mercado já preparou a indulgência.

As ovelhas eléctricas nos sonhos dos andróides

Mas ei, talvez esteja a ser injusto. Afinal, há esperança. Basta olhar para os ‘influencers’ do Instagram, que trocaram filtros de cachorrinhos por filtros de “florestas virtuais”. Ou para os políticos que, após aprovarem leis para proteger os lobos, autorizaram a caça aos mesmos porque “os rebanhos eléctricos precisam de pastagens”. A Terra agradece. Ou não.

A revelação, caro leitor, é esta: o Dia da Terra não passa de um espelho fumegante onde o capitalismo se vê reflectido como ecologista. E nós, pobres ingénuos, aplaudimos a pantomina enquanto as multinacionais riscam o planeta com a assinatura do lucro. A esperança? Reside naquele velho ditado que não citarei (regras são regras): um dia, a Terra sacudir-se-á de nós como um cão molhado se sacode das pulgas, como dizia George Carlin.

Até lá, desliguemos as luzes. E acendamos o espírito crítico — se é que ainda não o trocámos por uma ‘bitcoin’ no ‘blockchain’ do ‘criptomarket’ onde anda tudo aos ‘bonés’.

Azar do caraças que este planeta teve.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

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