O diretor-executivo do SNS e toda a sua equipa enviaram o pedido de demissão à ministra da Saúde, dispensando a indemnização salarial a que têm direito, numa “boca” à secretária de Estado Cristina Pinto Dias que recebeu uma indemnização de 80 mil euros da CP. Fernando Araújo diz que só se reuniu uma vez com a ministra Ana Paula Martins e que recebeu por email o pedido de relatório ao mesmo tempo que toda a comunicação social. Sairá no dia em que o relatório for entregue, no prazo definido pela ministra: 60 dias. Fernando Araújo estava disposto a continuar, mas com a condição de serem terminadas as reformas em curso, o que Ana Paula Martins lhe transmitiu que não aconteceria.
A direção-executiva do Serviço Nacional da Saúde, liderada por Fernando Araújo, demitiu-se esta terça-feira, com a justificação de não pretender que a sua equipa seja um obstáculo às medidas e políticas que a nova ministra considere necessárias.
Em comunicado, Fernando Araújo explica que “esta difícil decisão permitirá que a nova tutela possa executar as políticas e as medidas que considere necessárias, com a celeridade exigida, evitando que a atual DE-SNS possa ser considerada um obstáculo à sua concretização”.
Referindo que o pedido de demissão surge em respeito pelo “princípio da lealdade institucional”, dá conta de que a decisão acontece depois da reunião com o a nova equipa do Ministério da Saúde: “Na primeira, e única reunião tida com a tutela, foi transmitido pela DE-SNS a abertura para a continuidade de funções, no sentido de ser terminada a reforma em curso, mas, naturalmente, estávamos ao dispor da nova equipa governativa, se ela entendesse mudar as políticas e os rostos do sistema. Clarificamos que não pretendíamos indemnizações legais.”
“Cada elemento da equipa tem uma vida profissional anterior, quatro de nós no SNS, um no Ministério das Finanças e outro em atividade privada, e não pretendíamos onerar em qualquer circunstância o bem público. É nesse sentido, respeitando o princípio da lealdade institucional, que irei apresentar à Senhora Ministra da Saúde, em conjunto com a equipa que dirijo, o pedido de demissão do cargo de Diretor-Executivo do Serviço Nacional de Saúde.”
Na carta Fernando Araújo deixa claro que “a DE-SNS é um órgão técnico, um instituto público do Estado, que tem de estar acima de questões políticas ou agendas partidárias, e que executa políticas públicas determinadas pelo Governo”.
Apelida a decisão de difícil, e pede que ela se torne efetiva no dia seguinte a ser apresentado o relatório “da atividade exigido pela tutela”. E da carta percebe-se que este ultimato feito pela ministra à DE-SNS, e anunciado na semana passada, não caiu bem no gabinete de Araújo.
Pedido de relatório chegou via email
“Esta difícil decisão permitirá que a nova Tutela possa executar as políticas e as medidas que considere necessárias, com a celeridade exigida, evitando que a atual DE-SNS possa ser considerada um obstáculo à sua concretização”, começa por escrever. Para depois falar do relatório que tem de estar concluído em 60 dias e do qual tiveram “conhecimento por email, na mesma altura que foi divulgado na comunicação social”.
“Não nos furtamos a apresentar o documento solicitado, que já começamos a elaborar, até porque pensamos que se trata não apenas de uma responsabilidade, como de um dever, expor os resultados do trabalho efetuado, para que possa ser escrutinado, algo salutar na vida pública”, explica.
Depois de elencar as medidas todas que pôs em prática desde que tomou posse a 1 de janeiro de 2023, Fernando Araújo afirma, sempre em nome do conjunto da direção-executiva: “Saímos com a
noção de que não fizemos tudo o que tinha sido planeado e que cometemos seguramente erros, mas o tempo foi sempre curto para executar uma reforma desta dimensão. No entanto, os primeiros sinais são bastante positivos e mais favoráveis do que as previsões que tinham sido inicialmente inscritas nos instrumentos de planeamento.”
Agradecimentos a anterior Governo e a Marcelo
Fernando Araújo revela que vai voltar a exercer a sua profissão de médico e investigador: “Exerci estas funções com imensa honra e um sentimento de dever público, e irei agora, de forma tranquila, voltar à atividade assistencial, de docente e de investigação, como médico do SNS e professor universitário.”
Deixa um agradecimento ao Governo que o escolheu, mas as palavras mais sentidas vão para Marcelo Rebelo de Sousa. “Uma palavra pessoal de reconhecimento ao XXIII Governo de Portugal por nos ter confiado esta nobre missão, e ao Senhor Presidente da República, por todo o apoio manifestado desde o primeiro dia, de forma pessoal e pública, que guardarei com enorme honra e respeito.”
Em setembro de 2022, quando se soube que Fernando Araújo, ex-secretário de Estado da Saúde e diretor do Hospital de São João, no Porto, era a escolha para liderar a direção executiva do SNS, Marcelo Rebelo de Sousa falou de esperança e deixou até um aviso: “Diria que é uma nova oportunidade, uma nova esperança. Que não seja desperdiçada.”
A expressão voltou a ser usada já com o novo governo em funções, no dia 9 de abril, na inauguração de um novo espaço no Instituto Português de Oncologia do Porto. “Para ficar mesmo muito, muito feliz, só a ver a cara feliz do professor Fernando Araújo, que vibra com estas iniciativas. Essa vibração nunca pode ser desperdiçada”, disse o Presidente da República, no que foi visto na altura como um recado ao Governo.
Ana Paula Martins tem assim a primeira grande baixa na estrutura do Serviço Nacional de Saúde com a demissão em bloco de toda a direção-executiva. Recorde-se que a ministra da Saúde foi a primeira pessoa nomeada por Fernando Araújo para dirigir o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, que inclui o Santa Maria, e que veio a demitir-se por alegadamente não concordar com a passagem do centro hospitala a Unidade Local de Saúde.