A confirmação de que o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Rangel, representará o país na tomada de posse de Daniel Chapo como presidente de Moçambique gerou uma onda de reações negativas no meio político português. Críticos apontam que a decisão ignora suspeitas de fraude eleitoral e desrespeita uma recomendação recente do Parlamento para que o governo não reconheça os resultados das eleições gerais moçambicanas realizadas em 9 de outubro

A ida de Paulo Rangel foi confirmada nesta segunda-feira, quando fonte da Presidência informou à agência Lusa que Marcelo Rebelo de Sousa não comparecerá à cerimónia. A decisão é vista por muitos como polémica devido às contestações internacionais e locais sobre a legitimidade dos resultados eleitorais.
Iniciativa Liberal: “Inaceitável”
Rodrigo Saraiva, deputado e vice-presidente da Assembleia da República pela Iniciativa Liberal (IL), manifestou sua indignação nas redes sociais. “Inaceitável. Incompreensível. A ida de Paulo Rangel à tomada de posse de Daniel Chapo é uma subserviência e cumplicidade com um regime que sequestrou a democracia e a liberdade do povo de Moçambique”, publicou no X (antigo Twitter).
Saraiva também ressaltou que a presença de um alto representante do governo português na posse implica reconhecer resultados “fraudulentos”. Na última sexta-feira, o Parlamento português aprovou, na generalidade, uma recomendação da IL para que o governo não reconheça os resultados das eleições moçambicanas devido às “graves irregularidades e fraudes documentadas”.
Chega: “Portugal não deve reconhecer presidente”
O líder do Chega, André Ventura, foi mais moderado em relação à presença de Paulo Rangel, mas enfatizou a necessidade de Portugal manter uma posição firme contra as irregularidades em Moçambique.
“Nada obsta a que Portugal esteja presente, mas se vai estar alguém do governo português, deve deixar claro que o que aconteceu é um ataque à liberdade”, declarou Ventura. Ele defendeu que a participação portuguesa não pode ser vista como um reconhecimento implícito dos resultados, argumentando que as relações bilaterais devem ser mantidas, mas com firmeza contra a corrupção e a violência.
PAN: “Portugal dá um sinal errado”
Inês Sousa Real, porta-voz do PAN, também criticou a presença de Rangel, classificando-a como um “sinal errado”. Em declaração nas redes sociais, Sousa Real afirmou que “Portugal desconsidera a necessidade de preservar os valores democráticos e o respeito pelos direitos humanos” ao participar da posse de Daniel Chapo.
Para a deputada, Portugal deveria assumir um papel de mediador no contexto moçambicano, ao invés de apoiar tacitamente o status quo da Frelimo, partido no poder desde a independência do país em 1975. “Os apelos do povo moçambicano por maior democratização não podem ser ignorados em nome de interesses econômicos”, concluiu.
Contexto da Polémica
Daniel Chapo foi proclamado presidente pelo Conselho Constitucional de Moçambique em 23 de dezembro, após vencer as eleições gerais com 65,17% dos votos, de acordo com os resultados oficiais. Entretanto, observações internacionais apontaram irregularidades durante o processo, e a oposição – incluindo a Renamo e o MDM – boicotou a posse da nova Assembleia da República.
No plano diplomático, o presidente português Marcelo Rebelo de Sousa evitou uma saudação formal ao novo presidente eleito e enfatizou a importância do diálogo democrático e do respeito pela vontade popular.
A presença de Paulo Rangel na cerimónia é vista como um ato que contraria as recomendações parlamentares e legitima um processo eleitoral amplamente contestado. Este caso também levanta questões sobre a coerência da política externa portuguesa, que se apresenta como defensora dos valores democráticos e dos direitos humanos.
A participação de Paulo Rangel na posse de Daniel Chapo acendeu um debate acalorado sobre os princípios democráticos e os interesses diplomáticos que regem a política externa portuguesa. Entre acusações de subserviência e apelos por firmeza, o desfecho dessa situação poderá ter repercussões significativas tanto nas relações entre Portugal e Moçambique quanto na credibilidade internacional de Portugal como mediador e defensor da democracia.