Um Convite à Verdade ou à Encenação? Há algo de paradoxal no papel de quem governa: a necessidade de agradar enquanto se administra, de prometer enquanto se realiza e de comunicar enquanto se é observado
Este sábado, ao cruzar-me inesperadamente com o Presidente da Câmara, Leopoldo Rodrigues, deparei-me com uma cena que mistura ironia e oportunidade. Após a publicação de uma carta aberta onde questionei diretamente a sua gestão e comunicação, surge-me a figura presidencial descendo as escadas da câmara com assessores a tiracolo e, entre palavras cordiais, um convite improvável: “Venha comigo, quero mostrar-lhe o que estamos a fazer.”
Ora, é louvável que um político esteja disposto a abrir as portas da sua gestão ao escrutínio, ainda que a natureza intempestiva do convite levante algumas interrogações. Será que a pressão pública dos meus textos críticos no ORegiões terá apressado este gesto? Ou será uma tentativa estratégica de controlar a narrativa e amansar o crítico? A dualidade entre a genuína intenção de transparência e a teatralidade política é uma linha ténue que não pode ser ignorada.
A Ilusão do “Anúncio Atrás de Anúncio”
O Presidente mencionou algo interessante: culpa da má comunicação, seja da câmara ou de quem o assessora, no que toca à perceção pública das suas iniciativas. É um argumento familiar, esta tendência de apontar o dedo a terceiros, quando o problema de fundo parece ser outro. Não será antes a superficialidade de muitas dessas iniciativas – tantas vezes reduzidas a fogos de artifício mediáticos – que gera esta perceção de “anúncio atrás de anúncio”? Entre promessas de feitos grandiosos e obras que tardam a sair do papel, sobra pouco para convencer quem observa atentamente.
Se há má comunicação, é ele o responsável por corrigir o rumo, pois, como líder, cabe-lhe não só realizar, mas garantir que a população entende o que está a ser feito. A verdadeira comunicação pública não é feita de slogans, mas de ações palpáveis que falem por si mesmas.
Expectativa ou Ceticismo?
Aceito com agrado o convite para este “roteiro de esclarecimento”. Contudo, mantenho uma reserva cautelosa. Não pretendo, em momento algum, ser convertido em embaixador oficioso de uma gestão que ainda não demonstrou ao povo aquilo que promete. Espero, sim, poder testemunhar e questionar com liberdade e profundidade, e, se necessário, elogiar onde for justo. Mas, sobretudo, espero não me deparar com uma encenação bem coreografada, destinada a impressionar o jornalista enquanto a realidade persiste em escapar ao olhar dos cidadãos.
Uma Reflexão Final
Leopoldo Rodrigues deu o primeiro passo ao enfrentar um crítico de frente. Resta saber se o segundo será tão corajoso, conduzindo-me não por um caminho polido e ensaiado, mas por uma demonstração autêntica e concreta de serviço público. Até lá, não deixo de ver neste episódio uma sátira ambulante da política local, onde o líder desce as escadas da câmara e, com um sorriso, promete a verdade como se esta fosse mais um projeto em fase de execução. O meu papel continuará a ser o mesmo: observar, questionar e, acima de tudo, escrever.