Há uma regra não escrita na política portuguesa, tão sagrada quanto a Lei da Gravidade ou a inevitabilidade de um “remake” de “A Canção de Lisboa”: “quanto mais inquinado o currículo, mais brilhante o futuro”. Observe-se, caro leitor, o espectáculo patético dos partidos a disputar, não ideias, mas “direitos de imagem”. Os candidatos a primeiro-ministro já não se diferenciam por programas — esses folhetos decorativos que servem para equilibrar mesas coxas —, mas pela plasticidade com que se deixam moldar. São bonecos de ventríloquo, desses que se encontram em feiras de província, vestidos a rigor com fatos de feira e sorrisos de cartolina.
O PSD, numa demonstração de Fazemos Tudo Na Hora, que faria inveja a um malabarista cego, decreta que um candidato a deputado pode, simultaneamente, concorrer a uma junta de freguesia. Imagino o entusiasmo: um só político, duas máscaras, três promessas vazias e quatro horas de sono. Já o PS, num acesso de puritanismo tardio, proíbe a acumulação — mas apenas para quem não tenha sido condenado. Um bom suspeito ou arguido pode seguir! Sim: porque o segredo está em “ter as mãos sujas, mas as fichas limpas”. Enquanto isso, os partidos menores — sim, incluindo aquele que grita mais do que um metaleiro em surdina — funcionam como PMEs de egos: um líder, um slogan, e um exército de figurantes que, se desaparecessem, ninguém notaria. É o “Festival da Canção” da democracia: todos querem ser a voz principal, mas só sobram playback e afonia.
Não surpreende, pois, que a Academia Lusitana de Ciências Ocultas (ALCO) tenha publicado um estudo revolucionário: “A Teoria da Sustentabilidade do Cadáver Político”. Segundo os ilustres doutores — cujos nomes, curiosamente, rimam com pseudónimos de fóruns de pseudofilia —, um candidato investigado por crimes de colarinho branco emite uma “aura de credibilidade” 73 por cento mais eficaz do que um rival íntegro. “A corrupção”, explica o relatório, “funciona como um creme revigorante moral: quanto mais manchas, mais juvenil o apelo populista.”
A lógica é simples. Se um autarca acusado de desviar fundos para uma piscina privada se candidata a deputado, está a cumprir um ciclo natural: “Peixe grande come peixe pequeno, e depois candidata-se à Comissão Europeia”. Para validar a tese, a ALCO cita o caso paradigmático do “Grupo de Leiria”, uma empresa política que, em 2022, lançou um candidato holográfico. O holograma, programado para repetir “Isso é fake news” em rodopio, conquistou 12 por cento dos votos. “Prova irrefutável”, concluem os peritos, “de que o eleitorado prefere um fantasma a um humano com escrúpulos.”
E assim desembocamos no “Grande Plano de Reestruturação Democrática”, aprovado em segredo por todos os partidos com assento parlamentar (e dois sem assento, mas com “lobby” no Restaurante Snob): “Cada formação deve apresentar, até 2025, um “pacote de candidatos premium””, incluindo:
1. Um líder com pelo menos dois inquéritos em curso (bónus se um for arquivado por prescrição);
2. Um “revoltado de serviço” para atrair eleitores entre os 18 e os 25 anos (idade mental: 12);
3. Um “espontâneo” — figura imprevisível que, em debates, grite “Isso não está no programa!” quando pressionado.
Mas ei-lo – o detalhe que transforma farsa em tragédia: “nenhum destes bonecos é controlado por cordéis”. Os partidos não são marionetistas — são marionetas. A verdadeira engrenagem está nas mãos de uma casta invisível: os “consultores de imagem”, os “peritos em comunicação”, os “analistas” que nos vendem, a cada eleição, o mesmo produto com embalagem renovada. O político não mente: é mentido. Não corrompe: é corrompido pelo sistema que o consome como uma pizza ideológica.
E aqui jaz a ironia suprema. Os únicos limpos, livres e autónomos são precisamente aqueles que nunca chegarão ao poder. São os hereges que ousam pensar, os militantes que recusam o guião medíocre.
Mas não tema, leitor. Há esperança. Basta olhar para o PCP, esse relicário de nomes bíblicos e discursos em aramaico. Enquanto Paulo, João e João caminharem pela Terra Prometida do “status quo”, haverá sempre um Moisés para nos lembrar que, afinal, “o deserto não é dos partidos — é nosso”.
Nota: O texto visa menos as senhoras porque, nos maiores partidos, a lógica das listas é simples: “O António, o Laranjeira e uma gaja; depois o Pereira, o Correia e outra gaja – pode ser aquela secretária do presidente de Almocreve, que anda sempre com as unhas azuis…”.