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Em vez de unir estratégia nacional “Água que Une” já divide

A estratégia nacional “Água que Une”, apresentada este domingo pelo Governo, prevê a construção de novas barragens, redução de perdas nos diferentes sistemas e, como último recurso, interligação entre bacias hidrográficas. O investimento total será de cinco mil milhões de euros. Mas a associação ambientalista Zero vê na estratégia para a gestão da água, agora apresentada, uma “duvidosa aposta” em mais água para agricultura intensiva, que considera ignorar os desafios climáticos, com implicações ambientais, económicas e sociais graves.

Em Coimbra, o primeiro-ministro apresentou a estratégia “Água que Une”, que vai custar cinco mil milhões de euros até 2030. Ministro da Agricultura prevê aumento de 30% de água para o regadio.

Todavia, em vez de unir a estratégia está a provocar divisões. Os ambientalistas da associação Zero consideram que a estratégia apresentada pelo Governo mostra uma “duvidosa aposta no forte aumento da oferta de água” para responder às exigências do setor agrícola, “favorecendo a expansão de um modelo intensivo e altamente consumidor de recursos hídricos”. Os agricultores defendem: “embora seja importante fazer estudo, planos e projetos, já estamos há muito tempo nesta fase. Precisamos de obras de modernização ao nível de reservas de água e novas obras. Precisamos de mais reservas de água”.

A estratégia “Água que Une”, que conta com quase 300 medidas a implementar, foi apresentada no Convento São Francisco, em Coimbra, contando com vários elementos do Governo, autarcas, e membros do grupo de trabalho que desenvolveram o plano.

“Não temos tempo a perder. Sobram-nos menos de cinco anos para cumprir os objectivos até 2030”. Foram várias as vezes que Luís Montenegro repetiu esta frase. Quase tantas vezes como repetiu a ideia de solidariedade entre autarquias, como forma de conseguir a tão almejada coesão territorial, agora orientada para os recursos hídricos.

Durante o discurso de apresentação do programa, Luís Montenegro afirmou que a estratégia propõe uma “transformação estratégica” do país, para que possa ter capacidade de “lutar contra os efeitos negativos das alterações climáticas”, mas simultaneamente permita aproveitar os seus recursos, seja na capacidade produtiva da agricultura, da indústria e do turismo.

“Nós temos alguns instrumentos de financiamento disponíveis que queremos aproveitar e temos de ir à procura de outros para assegurar a parte que não está assegurada. E queremos depois que se comece já hoje a preparar o financiamento para a década seguinte, 2030 a 2040, para que a estratégia tenha sequência, que sabemos que não vamos ser nós que a vamos executar. Nós tencionamos ficar aqui mais uns anos, mas daqui a uma década haverão de estar aqui outros”, disse.

O primeiro-ministro espera agora que a estratégia apresentada possa ser objeto de diálogo com a sociedade e com as outras forças políticas, destacando o objetivo do documento que não aponta apenas para um aumento da capacidade instalada, mas também para uma melhor utilização da água — seja pela diminuição das perdas ou da reutilização de água.

Luís Montenegro vincou ainda que a água está disponível no país de modo desigual, considerando que a “Água que Une” assegura coesão territorial e que há um espírito de solidariedade “subjacente a esta estratégia”.

“Onde há cheias, que haja menos cheias, e onde há seca, que haja menos seca”, resumiu. Por isso, o primeiro-ministro considerou que há um grande “espírito de coesão e de solidariedade” que extravasa a questão da gestão da água para falar “de igualdade de oportunidades, de justiça social e desenvolvimento económico”.

Segundo Luís Montenegro, a estratégia irá contemplar grandes e pequenos investimentos, do norte ao sul, passando pelas regiões autónomas, admitindo que o documento tem também várias medidas que já estavam programadas, projetadas e no terreno.

Em junho de 2024, o Governo criou um grupo de trabalho, liderado pelo presidente do grupo Águas de Portugal, para delinear a estratégia do país para a gestão, armazenamento e distribuição eficiente da água.

Trezentas medidas, incluindo novas barragens

Esta estratégia nacional “Água que Une” prevê a construção de novas barragens, redução de perdas nos diferentes sistemas e, como último recurso, interligação entre bacias hidrográficas.

A estratégia conta com quase 300 medidas a implementar (algumas vão até 2050). Segundo o documento enviado aos jornalistas, a estratégia prevê um aumento da eficiência, através da redução de perdas de água nos sistemas de abastecimento público, agrícola, turístico e industrial, a utilização de água residual tratada, a otimização de barragens e a construção de novas.

A estratégia prevê ainda a criação de novas infraestruturas de captação de água, unidades de dessalinização e, em último recurso, a interligação entre bacias hidrográficas, estando também integradas medidas para restaurar ecossistemas fluviais e para uma gestão integrada da água.

A estratégia aponta para um aumento de 1139 hectómetros cúbicos (medida da quantidade de água armazenada em barragens) de disponibilidades.

Eficiência hídrica

No Norte, está prevista a modernização do Aproveitamento Hidroagrícola do Vale da Vilariça, implementação do programa de regadio em várias localidades, o aumento da capacidade das barragens de Pinhão (Vila Real), Vila Chã (Alijó), Sambade (Alfândega da Fé) e Valtorno (Vila Flor), remoção de infraestruturas hidráulicas obsoletas (ensecadeiras) do rio Côa e a constituição do Empreendimento de Fins Múltiplos da Barragem do Baixo Sabor e Foz Tua.

Na região do Vouga, Mondego e Lis estão previstas intervenções de reabilitação ambiental da rede hidrográfica da bacia do Lis (Leiria), um programa de promoção da eficiência hídrica da região de Aveiro, a modernização do aproveitamento hidroagrícola do Baixo Mondego, um estudo “para avaliar a viabilidade da construção da barragem de Girabolhos”, em Seia, e um reforço do abastecimento de água aos municípios da região de Viseu.

No Tejo, estão incluídos investimentos como a modernização do aproveitamento hidroagrícola de Idanha-a-Nova, estudo para a construção da barragem do Alvito, próxima de Vila Velha de Ródão, um projeto de valorização agrícola dos recursos hídricos do Vale do Tejo e Oeste e um estudo de viabilidade da ligação das bacias do Tejo e do Guadiana.

No Alentejo, está prevista uma interligação entre o Alqueva e Mira, um programa de reforço da eficiência dos sistemas de águas assim como uma modernização total do aproveitamento de Mira.

Já no Algarve, entre outros, está prevista a conclusão da modernização do aproveitamento do Alvor e estudos de viabilidade para a construção de duas barragens.

Segundo a estratégia, os investimentos regionais dividem-se com 479 milhões de euros para o Tejo e Oeste, 448 milhões de euros para o Norte, 267 milhões para Vouga, Mondego e Lis, 156 milhões de euros para o Alentejo e 126 milhões de euros no Algarve. Além de investimentos dirigidos a locais específicos, há projetos e medidas de âmbito nacional.

Uniformização tarifária

O coordenador do grupo de trabalho da estratégia nacional da água afirmou este domingo, em Coimbra, que vai ser estudado um caminho para uma uniformização tarifária dos sistemas em alta em Portugal.

“Estamos empenhados em estudar, como é ambição de muitas câmaras e entidades, o caminho para uma tendência de uniformização tarifária dos sistemas em alta em Portugal”, disse o presidente do grupo Águas de Portugal, Carmona Rodrigues, que coordenou o grupo de trabalho da estratégia nacional “Água que Une”.

Segundo Carmona Rodrigues, está “na altura de dar o passo nesse sentido”, que foi estudado há já alguns anos, mas que não se conseguiu implementar.

“Achamos que assiste esse propósito e estou em crer que todos os portugueses o entenderão”, disse. Carmona Rodrigues vincou que o programa prevê uma aposta em várias áreas da gestão e abastecimento da água, seja no aumento das capacidades, mas também num aumento da eficiência, com redução de perdas.

Por seu turno, a ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, também presente, realçou que “parecia existir a ilusão de que as questões da água estavam resolvidas”, mas que há “fortes assimetrias” na disponibilidade de água no país, que o documento também procura resolver.

Já o ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, destacou o “trabalho exaustivo” do grupo de trabalho feito “num curto espaço de tempo”, que produziu uma “estratégia conciliadora”, que junta o combate às alterações climáticas com preocupações associadas ao setor agropecuário.

“Finalmente, temos uma ministra do Ambiente em que a agricultura e os agricultores não são vistos como inimigos do ambiente e que têm de andar de mãos dadas. Os agricultores são os maiores defensores do ambiente e não os vilões que tentaram colar à sua ação”, disse.

Para José Manuel Fernandes, a estratégia permite também “criar riqueza, trazer coesão territorial e dar previsibilidade e estabilidade”, conciliando grandes investimentos com outros mais pequenos.

Associação Zero contra grande parte das medidas

Mas a associação ambientalista Zero vê na estratégia para a gestão da água uma “duvidosa aposta” em mais água para agricultura intensiva, que considera ignorar os desafios climáticos, com implicações ambientais, económicas e sociais graves.

A estratégia tem algumas prioridades certas, na avaliação da Zero, mas é desequilibrada entre ambiente e agricultura, diz a associação em comunicado enviado à Lusa, defendendo a necessidade de conhecer em detalhe o que a fundamenta e “um processo de consulta pública alargado”, num tema que considera de “elevada importância” e com um investimento avultado.

A Zero destacou como positivas prioridades como o aumento da eficiência hídrica e promoção do uso racional da água, a redução das perdas de água nos sistemas de abastecimento público, agrícola, turística, industrial e a promoção da utilização de água residual tratada.

Mas considera que a estratégia apresentada pelo Governo mostra uma “duvidosa aposta no forte aumento da oferta de água” para responder às exigências do setor agrícola, “favorecendo a expansão de um modelo intensivo e altamente consumidor de recursos hídricos”.

Este caminho, sustenta a Zero, “ignora os desafios climáticos futuros e tem implicações ambientais, económicas e sociais graves, especialmente porque não assegura um equilíbrio adequado entre a resposta dada às necessidades agrícolas e a resposta a vertentes fundamentais como a eficiência hídrica e a necessidade de preservação dos ecossistemas”.

A associação defende ainda que o “investimento avultado” previsto – de 5 mil milhões de euros — exige uma calendarização detalhada dos investimentos e a identificação clara das fontes de financiamento.

“Um elemento fundamental a clarificar é a correção do valor da taxa de recursos hídricos pela agricultura, atualmente extremamente diminuto e inferior a 10% do total da receita, quando o uso corresponde a 70%”, destaca.

A Zero diz que “existe o risco de canalizar recursos públicos para infraestruturas de utilidade duvidosa ou que, a longo prazo, não consigam responder eficazmente aos desafios colocados por situações de seca e de escassez hídrica”.

A estratégia do Governo assume que haverá disponibilidade de água suficiente para encher novas barragens, mas a associação recorda que “as previsões climáticas indicam uma redução progressiva da disponibilidade hídrica em várias bacias hidrográficas do país, o que poderá tornar insustentável a captação de água”.

Neste contexto dá o exemplo da construção da barragem de Alportel, uma das infraestruturas previstas, que “pode não conseguir garantir os volumes de água esperados”, havendo por isso “o risco de um investimento elevado resultar numa estrutura subaproveitada ou ineficaz”.

A Zero apela ainda ao Governo para que, após a consulta pública, haja uma reavaliação da estratégia proposta, que será integrada no próximo Plano Nacional da Água, garantindo que a gestão da água seja feita “de forma responsável, equilibrada e com foco na sustentabilidade a longo prazo”.

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