A opinião mais não é do que uma análise interpretativa do autor sobre determinado facto, um assunto ou uma realidade que o rodeia em determinado momento. A opinião assenta estruturalmente no contexto da própria personalidade do autor, do seu percurso e emana dessa construção particular e da sua experiência de vida. De forma mais abrangente, podemos chegar ao ponto de afirmar, sem grande margem de erro, que tudo o que diz respeito à humanidade pode ser considerado relativo, subjetivo, variável. Qualquer texto pode ter o seu caráter concreto e objetivo, até mesmo se tratando de pesquisa científica que, como se sabe, deve contar sempre com a líbido do autor, assim como o espaço e o tempo em que ocorre. É como o tempo e o clima! E se der como mero exemplo a meteorologia, teremos a variável do tempo que pode ser verificada em apenas um dia em cada região e a outra variável do clima cujo padrão para ser identificado necessitará de pelo menos três décadas, acredita-se, acreditando eu que nem no tempo médio de vida de muitos avós cientistas se poderá determiná-lo com verdade absoluta! Há sempre uma análise com influências do passado e contaminada pelo presente, já que o futuro cairá invariavelmente na especulação!
Sabemos que a História Universal ou histórias politicas, económicas e sociais, devem ser sempre lidas à luz da crítica, da análise dos seus dados, dos seus factos e das suas oralidades, hermenêuticas ou heurísticas. Entraria por aqui até à fundação, fundamentos, pressupostos e divisões da História, das suas tradições e concepções filosóficas ou científicas, mas não é para essa intenção que me leva o texto ou necessidade premente.
Caso o leitor pretendesse alcançar imediatamente a compreensão e avaliar determinada opinião, validá-la perante factos, posições e suposições ou atingir o seu significado mais profundo, teria provavelmente a tarefa impossível de investigar em simultâneo com essa interpretação, todos os elementos da vida do autor, todos os processos hermenêuticos e heurísticos da construção do texto, assim como teria, ao mesmo tempo, enquanto leitor, de consagrar nessa análise a sua própria vida, a sua própria experiência e reconhecer nesse todo a sua própria capacidade interpretativa e de investigação!
Deixemos de lado a ética, a moral, os factos, as suposições, as lendas, os mitos e os mitos das nossas realidades estagnadas ou em Devir. Deixemos de lado a relatividade dos nossos “Eu”, dos nossos vários “Eus”! Entremos “na minha região” a partir do momento zero da minha existência, da minha biografia para tentar ser o mais concreto e específico possível.
Não foi por nascer por mero acaso do destino em África no ano de 1964 que saberei alguma coisa, mais ou menos, sobre a sociedade ou a política ultramarina portuguesa e muito menos aquela, mais ou menos nativa, mais ou menos nacionalista. Não foi por ter atravessado diferentes períodos históricos da vida social política e económica daquela “minha região” que terei maior conhecimento de causa ou autoridade para me referir a ela nem, tão pouco, para o leitor a ter em maior consideração. Também não é essa a minha intenção! Não foi por ter estudado de forma livresca e estudantil uma História de Angola contada por colonizadores portugueses nem uma História de Angola contada por colonizados angolanos que poderei inscrever Diogo Cão como protagonista da história angolana sem ter em conta a rainha Nzinga Mbandi (aliás,Jinga,Ginga, consoante a grafia que lhe queiram dar) aparentemente na mesma História, tendo em conta que tanto uma personagem como outra parecem coabitar ou coincidir mais ou menos no mesmo espaço e no mesmo tempo sem que sejam assim referidas, como herói ou heroína, numa ou na outra história! Como é que um professor explicará a um jovem estudante esta forma absurda de cada país, cada regime, escolher nomes ou criar heróis à sua medida e conforme os seus interesses ou a sua conveniência?! Talvez só será possível a resposta que deu um professor nacionalista angolano ao jovem estudante após a independência daquela “minha região” denominando o navegador português Diogo Cão como apenas um dos colonos brancos que ali desembarcou para recrutar escravos negros e fazer negócio, sendo combatido pela grande guerreira nativa rainha Ginga. Outra resposta dada mais tarde ao já confuso e adulto estudante e já no hemisfério norte destas memórias, por um professor português, é que nem sequer reconhecia “qualquer negra com esse nome a combater contra os grandes navegadores e heróis portugueses que desembarcaram em Angola”, havendo sim, uma Ana de Souza que até se converteu ao batismo católico! Apenas uma coincidência, ambos os professores a léguas de distância, reconheciam a existência de um rei ou reino do Congo, apesar de um falar em descoberta do território, acordo comercial e envangelização por um lado e o outro a dar enfase a um território já habitado desde a pré-história, à colonização, ao conflito e ao comércio de escravos.
Do mesmo modo e como quem pretende criar ou contribuir com outras visões, perspectivas, opiniões e histórias ou a forma como se forjam e enaltecem nomes e heróis, eu poderia encarnar a pele de escriba, escritor, comentador, cronista, historiador… e transmitir aos leitores a minha própria versão de qualquer episódio da longa guerra civil angolana que vivi, vi e senti na pele, desde o alto da juventude até esta idade adulta, desde a Independência, dos muitos conflitos entre os chamados movimentos de libertação fora e dentro das cidades, as ocupações, as fugas, os refugiados, os mercenários, os guerrilheiros, as mobilizações gerais, as armas de pau com balas reais dos pequenos pioneiros, as campanhas, passando pelas figuras e leituras de Marx, Engels e Lenine, os soldados, médicos e professores cubanos, os discursos de Fidel e de Agostinho Neto, aqueles de Savimbi “na minha região” do Huambo, outros mais comedidos no sotaque afrancesado de Holden Roberto, os engenheiros e instrutores russos, daqui até ao 27 de maio de muitos mais dias, à tentativa de golpe de Estado e prisão de Nito Alves, à revolta, à paz, à corrupção, à luta pela sobrevivência, até uma aventura à vela pelo Atlantico de familiares e amigos, por acaso e oportunidade já contada e editada no livro Tartan, as Velas da Liberdade. Mas tudo isto são histórias, nunca a História, muito menos as guardo e tenho como verdades absolutas, vistas e revisitadas assim à distância, mas ainda assim serão sempre partes da minha história, da minha própria vida. Ainda que as conte ou contasse, estou em crer, não mudaria nada na visão, na vida e na perspectiva de outros sobre os mesmos temas e episódios, nem a opinião mais ou menos formada ou formatada de qualquer leitor. Metendo-me na pele, nos ouvidos ou no nervo óptico do leitor, seria como se qualquer autor me estivesse a tentar explicar, a mim, o som e o sentido de um lançador de foguetes múltiplos como os ditos “Orgãos de Stalin”, Katyusha, a voz de uma rajada de metralhadora ou o zumbido de um tiro ao vivo a rasar por cima da cabeça, assim como a condição de deslocado ou de refugiado! Seria como outro qualquer cidadão deste mundo me tentasse rotular como alguém de esquerda, do centro ou de direita, comunista, liberal ou neoliberal, sem sequer supor que o tempo das teses idealistas e filosóficas de Marx terminaram na sua Era própria e na Era em que, ainda antes de embater “no muro”, se desmoronaram para dar lugar ao reino do “capitalismo selvagem”, como o próprio o apelidou (in Das Kapital), prevendo a impossibilidade da coexistência pacífica e tensões criadas entre esses sistemas económico e visões da sociedade tão antagónicas, se é que não terão ficado mesmo perdidas no pó do tempo ou na mera ambição desmedida do poder e do dinheiro! E quantos desses cidadãos se dizem de esquerda sem terem lido sequer uma linha de Marx e quantos se dizem de direita ou liberais sem terem lido uma linha sequer de John Locke ou Adam Smith? Nem seria de esperar que alguns deles pudessem esboçar um raciocínio lógico para me rotular como alguém que não é de esquerda, nem do centro ou de direita, mas sim como um transversal ou enviesado em matéria político-económica e social!
É preciso ter presente que estes ecos lançados num qualquer texto pelo seu autor, pela crónica de opinião ou peça de um jornalista ou repórter, não passam disso mesmo, ecos da sua particular forma de ver, sentir e contar a história, a vida e o mundo. Entraria agora no âmago e nos paradoxos da verdade e da mentira até às “verdades da mentira” e vice-versa, mas também não é minha intenção ou necessidade premente!
Então a quem interessará a minha opinião se nem a mim próprio ela interessa de forma estática, sem ser objecto de crítica ou reciclagem permanente? O que penso, digo ou escrevo hoje, fica registado hoje e tem data de validade! Pela porta de qualquer assunto, qualquer matéria ou notícia, outras vidas e guerras mais mediáticas ou mais esquecidas, poderia entrar e mergulhar aqui nas profundezas dos grupos de comunicação, vasculhar nos mass media, nas redes sociais dos chamados “opinion makers”, em melhor português, os fazedores de opinião, dos “influencers”, melhor ainda, influenciadores, tentar verificar em todos esses nomes, personalidades, opiniões e conceitos, quase todos importados até ao umbigo do nosso próprio ego, as suas verdades, as suas mentiras ou os seus particulares interesses políticos, económicos, sociais, culturais, democráticos, especulativos, lúdicos…! Mais uma vez não é minha intenção nem minha necessidade premente ver-me todos os dias ao espelho e encontrar no reflexo outros como eu!
Poderia terminar com citações que ficam sempre bem para dar forma ou sustento ao conteúdo de uma crónica de opinião, mas cairia outra vez no senso e contrassenso ou naquele lugar comum da imprópria apropriação de uma ideia que muito provavelmente poderia estar desfasada do seu contexto, do seu tempo e do seu espaço, assim como impregnada de subjetividade e relatividade, na opinião do citado que, muito provavelmente também não quereria rever-se aqui.
Nuno Silveira Ramos