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Esta é a Nova Lisboa…

As canções de protesto nunca desapareceram, mas após o 25 de abril têm sido interpretes e temas africanos as vozes e sons que mais se ouvem. Nos últimos anos a situação tende a alterar-se.

Canto de Intervenção foi conceito criado depois do 25 Abril para designar um género de música surgido nos inícios da década de 60, onde se denunciavam a falta de liberdade, a condição de ser negro ou a guerra colonial, entre outras causas progressistas. Normalmente as cantigas eram tocadas apenas “de viola às costas” para melhor chegarem a todo o lado. Alguns desses cantadores deixaram marcas e criaram escola, onde se juntava música tradicional portuguesa com sons atuais, designadamente Sergio Godinho, Zeca Afonso, Jose Mário Branco, Fausto, entre alguns outros.

Gradualmente, a força das música de raiz africana foi-se impondo na denúncia do racismo e outras injustiças sociais.

A política e a arte, designadamente a música, desde sempre têm funcionado como forma de protesto na diáspora africana, desde o inicio da escravatura, do Jazz de Nova Orleãns, swing, be-bop, soul, funk, rock noir, reggae até ao recente rap, nascido nos anos 70 como contra-cultura e depois assumido por jovens de todo o mundo.

Em 1995 é editado em França um álbum importante, pois trata-se da primeira colectânia de temas gravados por autores dos países de expressão portuguesa, onde colaboram nomes como Ruy Mingas, Bonga, Cesaria Évora, Tito Paris e tantos outros, a que deram o título de 1975-1995 INDEPÊNDENCIA!, surgido com o intuito de lembrar a edição em 1953 da antologia Poesia Negra de Expressão Portuguesa, preparada por Mario Pinto de Andrade e que homenageava a poesia de diversos autores cabo-verdianos e moçambicanos.

Em Portugal o fenómeno surgiu e finais da década de 80, com a primeira compilação a ser editada em 1994, onde no tema dos Zona Dread SÓ QUEREMOS SER IGUAIS se relatam vários exemplos de racismo contra os negros e se exige:

Só queremos ser iguais

Não ser menos nem ser mais

Só queremos ser iguais

Valete de origem São-Tomense e General D de origem moçambicana são dois dos mais marcantes rapers da geração de finais do sec. XX e inícios do sec. XXI, onde se “atiram palavras” que ainda doem, verdadeiras e sentidas na pele. Artistas como Chullage, filho de pais cabo-verdianos, é bom exemplo da geração de “pretos portugueses”, conceito que Telma Tvon desenvolve no seu recente livro “Um Preto Muito Português”.

O mesmo se passa com a jovem Licenciada em Sociologia e doutorada em Geografia Humana, Capicua. No seu álbum de 2014, o tema Terapia de Grupo sublinha feridas da nossa História: “acho que têm 500 anos de esqueletos para tirar do armário. Os descobrimentos todos para tirar de lá. A escravatura, o colonialismo, a exploração dos países africanos e do Brasil, que acabaram por culminar numa guerra e sobre a qual as pessoas ainda não estão preparadas para falar. É normal que não estejam, ainda há quem esteja muito marcado por esses acontecimentos.

Cinquenta anos passados do 25 de Abril, as relações entre Portugal e as ex- colónias já entraram numa fase onde se respeita a soberania entre países, pesem embora algumas feridas ainda não completamente sanadas. Estamos em tempos de colaboração, com muitos exemplos onde autores dos diversos países se reúnem para criar juntos, veja-se o caso dos Buraka Som Sistema ou o também significativo trabalho do cantor João Afonso, sobrinho de José Afonso, que em Janeiro de 2014 editou Sangue Bom, onde África em português viaja até Goa navegando nas palavras de Mia Couto e Jozé Agualusa. Muitos outros exemplos poderiam ser apontados.

A primeira iniciativa no sentido de uma colaboração estruturada no campo musical nasce também em 1996 com a Associação Sons da Lusofonia, onde o saxofonista português Carlos Martins junta artistas africanos, brasileiros e portugueses em diversos agrupamentos, com destaque para a Orquestra Sons da Lusofonia. Em 1994, na Galiza, o festival Sons da Fala reunira nove cantores lusófonos nascidos nos PALOP ou em Portugal. Curiosamente em 2008 é editado um CD com o mesmo título onde se juntam André Cabaço, Guto Pires, Madeira, Janita Salomé, Filipe Mukenga, Vitorino, Sérgio Godinho, Tito Paris e Juka, interpretando 18 temas em ritmos que se entrecruzam sem perder a identidade. Entretanto, em 1999, o Trovante grava Timor, tema de apoio à luta dos Timorenses pela independência.

Não deve também ser esquecido o papel polarizador que a Expo 98 possibilitou ao convidar diversos artistas lusófonos (e não só) a criarem peças e espectáculos onde se encontrassem “abraços entre culturas”. Lisboa vem gradualmente a constituir-se palco privilegiado para encontros entre músicos portugueses, músicos migrantes residentes e músicos de outros países de língua portuguesa em digressão, como torna claro o documentário Lusofonia, a (R)evolução (2006), sendo também de referir iniciativas como Lisboa Mistura, Festival ImigrARTE e África Festival, Festival Todos (e a sua Orquestra Todos) e a Lusofonias: Culturas em Comunidade, da Associação Etnia.

A tal “Nova Lisboa” cantada por Dino de Santiago: “Esta Lisboa linda pertence-nos, está na hora de nos orgulharmos”.

Mas é preciso que todos continuem a lutar pela Paz, o Pão, a Saúde e a Habitação!

Portugal, a Europa e o mundo vivem tempos difíceis, com problemas comuns como a guerra na Ucrânia ou no Médio Oriente, sem esquecer o Sudão, Iêmen, Mianmar, Nigéria e a Síria. As injustiças alastram, com uma minoria a ter rendimentos muito superiores à imensa maioria. Os jovens recebem salários muito baixos e precários, o direito à habitação e à saúde não é cumprido, com a globalização das migrações renasce o racismo. Ainda não atingimos a devida igualdade entre homens e mulheres, e o respeito pela orientação sexual de cada um. E, claro, a preservação do ambiente é tema sempre presente.

Em Portugal, o som e ritmo das canções de protesto tendem a deixar de ser quase exclusivos da comunidade africana, surgindo grupos que retomam e atualizam a tradição instrumental de raiz folclórica portuguesa, ou se apoiam em sons mais ligados ao jazz ou ao rock, como Cara de Espelho, A Garota Não ou Luta Livre.

A seu tempo aprofundaremos este tema.

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Joaquim Correia
Joaquim Correia
“É com prazer que passo a colaborar no jornal Regiões, até porque percebo que o conceito de “regiões” tem aqui um sentido abrangente e não meramente nacional, incluÍndo o resto do mundo. Será nessa perspectiva que tentarei contar algumas histórias.” Estudou em Portugal e Angola, onde também prestou Serviço Militar. Viveu 11 anos em Macau, ponto de partida para conhecer o Oriente. Licenciatura em Direito, tendo praticado advocacia Pós-Graduação em Ciências Documentais, tendo lecionado na Universidade de Macau. É autor de diversos trabalhos ligados à investigação, particularmente no campo musical

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