O Banco Central Europeu (BCE) antecipa uma transformação significativa no panorama monetário da Zona Euro, estimando que, por cada dez euros digitais emitidos, cinco euros físicos sejam retirados de circulação. O mesmo cenário deverá conduzir a uma redução de três euros em depósitos bancários, conforme indica o mais recente relatório da instituição.
Ao contrário de outros bancos centrais, como a Reserva Federal norte-americana, que abandonou oficialmente a ideia de um dólar digital após uma ordem executiva do Presidente Donald Trump, o BCE continua a avançar com determinação no desenvolvimento do euro digital. A presidente do BCE, Christine Lagarde, e os restantes membros do Comité Executivo, como Piero Cipollone, sustentam que o euro digital representa uma questão de soberania estratégica para a Europa.
Substituição gradual do numerário
O documento divulgado esta semana destaca que a introdução do euro digital deverá provocar uma “substituição direta” de parte do dinheiro físico e dos depósitos existentes. A previsão assenta na expectativa de que a procura por euros digitais, por parte das famílias, funcione de modo semelhante à actual procura por notas e moedas.
A instituição analisou três cenários distintos, com base em diferentes níveis de procura. No cenário mais conservador, a circulação de notas deverá cair 15 mil milhões de euros. Se a procura for média, a descida poderá atingir 125 mil milhões. No caso de uma elevada adopção da nova moeda, a redução ascenderá aos 256 mil milhões de euros.
Apesar de as moedas representarem uma fração muito menor do numerário em circulação – apenas 33,5 mil milhões de euros em dezembro de 2023 – o cálculo do BCE inclui também este tipo de dinheiro.
Redefinição dos balanços bancários
O BCE sublinha que o impacto da digitalização não depende apenas da tecnologia, mas também das características do próprio euro digital: níveis de remuneração, limites de retenção e critérios de acesso. Estas variáveis terão influência direta na adesão dos cidadãos e na eventual substituição dos meios de pagamento tradicionais.
Com a redução de notas e depósitos, o balanço do BCE poderá crescer por outras vias, com novos ativos a compensar parcialmente a diminuição dos passivos convencionais. No entanto, o relatório admite que o impacto líquido poderá mesmo ser negativo, especialmente se o euro digital não for amplamente utilizado como reserva de valor.
Riscos e medidas de segurança
A transição para o euro digital não está isenta de riscos. O relatório aponta preocupações relacionadas com a reputação do sistema, a dependência tecnológica e a crescente vulnerabilidade a ciberataques. Para responder a estes desafios, o Banco de Compensações Internacionais criou o “Projeto Polaris”, com o objectivo de ajudar os bancos centrais a conceber e gerir infraestruturas de moeda digital mais seguras e resilientes.
O BCE insiste que a introdução do euro digital não implicará necessariamente um aumento do seu próprio balanço, uma vez que se trata de um novo tipo de passivo monetário, tal como o são atualmente as notas em circulação ou as reservas dos bancos comerciais.
A Europa, ao avançar com este projeto pioneiro, posiciona-se na linha da frente da inovação monetária global, enquanto outros grandes blocos económicos optam por um caminho mais conservador.