Uma viagem inesquecível não tem de ser uma longa jornada. Todos nós temos disso exemplos! Tudo depende da intensidade dessa experiência, mesmo que traga conclusões incorretas sobre o povo ou os lugares. No caso do II Raide Macau-Lisboa, o objetivo foi ligar Macau e Lisboa por estrada, com a clara intenção de afirmar a especificidade cultural, política e histórica de Macau e das relações entre a China e Portugal. O tempo era limitado, o mínimo possível para se atingirem os objetivos enunciados. Também era nosso objetivo optar por um percurso que desde 1907 se encontrava imaculado, interdito: atravessar as diversas repúblicas soviéticas!
As ligações entre Ocidente e Oriente já existem desde há mais de 5000 anos, atravessando lugares que se tornaram lendários e centros civilizacionais tão importantes como a Babilónia, Ninive, Uruk e Arcádia na Mesoptâmia. Eram viagens essencialmente de carater económico, embora muitos
aventureiros aproveitassem para cumprir os seus desafios interiores. Quem nunca ouviu falar na Rota da Seda?
Vale a pena citar o caso do monge chinês Xuanzang, que durante 17 anos (629-645) viajou a caminho do Ocidente. Este erudito e tradutor viajante da dinastia Ming, registou no seulivro The Great Ting Dinasty Record of the Western Regiões uma descrição precisa das distâncias, das paisagens, do comércio e das numerosas culturas, crenças e povos ao longo da Rota da Seda e até ao limite da Pérsia. Também aqui cabe lembrar que, partindo de Veneza, Marco Polo (1254-1324) descreve para os europeus as maravilhas da China, de sua capital Pequim e de outras cidades e países da Ásia, no seu livro As Viagens de Marco Polo.
O curso do progresso, porém, alterou-se no início do período moderno. No final do século XV, com a epopeia iniciada com Vasco da Gama, estas viagens terrestres começaram a ser gradualmente substituídas por rotas marítimas. Também aqui, como sabemos, existiam trocas comerciais e contatos entre religiões, mas também partilha cultural e muita aventura.
1. A primeira vez em que estas ligações tiveram caráter essencialmente desportivo ou pelo prazer do desafio foi em 1907, quando o jornal Le Matin organizou o Raide Pequim-Paris em automóvel, passando por pontos intermédios como Zhangjiakou, Ulaanbaatar, UlanUde, Irkutsk, Krasnoyarsk, Omsk, Chelyabinsk, Petropavlovsk, Perm, Kazan, Nizhny Novgorod, Moscovo, São Petersburgo, Vilnius, Varsóvia eBerlim. Toda a expedição está narrada ao pormenor no livro daautoria de um dos concorrentes, Georges Cormier.
2. Uma manhã nevoenta de Abril de 1924 foi a data escolhida para o Capitão Brito Paes e os Majores Manuel Gouveia e Sarmento de Beires levantarem voo, com carga máxima, num avião Breguet, a que chamaram “Pátria”, deslizando na Campo dos Coitos (pista de aviação improvisada), em Vila Nova de Milfontes, rumo a Macau.Muitas peripécias aconteceram durante essa aventura aérea, que nãoacabou bem, mas que não cabe agora contar. Também devemos referir José Megre: entre muitas outras viagens, cruzou a Europa e Ásia três vezes, fazendo duas travessias entre o Atlântico e o Pacífico, uma no Rally Paris-Pequim, em 1999, outra no comboio Transiberiano e ainda outra que o levou de Lisboa à Índia, Nepal, Butão e Tibete de automóvel.
3. Entre 1984 e 1986, uns anos antes do I Raide Macau-Lisboa (de quem foi consultor informal), Amílcar Carvalho, mais conhecido por Mica Costa-Grande, acompanhado de Sofia Salgado, tinha tentado entrar na China através do Paquistão, tendo acabado por abandonar a viatura neste país, uma vez que não obteve autorização para atravessar a China.
4. Em 1987, a Sagres, uma pequena avioneta, voltou a ligar Lisboa a Macau, mas também aconteceram azares na viagem de retorno…
5. Em março de 1987, o antropólogo Zica Capristano e sua esposa Judite Capristano empreendem uma longa travessia num UMM, ligando Lisboa a Macau (através da Europa, Turquia, Irão, Paquistão, India, Nepal e daqui voando para Hong Kong), regressando de comboio até Bombaim, e daqui por barco até Lisboa a viatura e os condutores de avião. A viagem encontra-se documentada em livro. Ao todo, foram 70 dias.
6. Em 1988, três UMMs realizaram com êxito o que designaram por I Raide Terrestre Macau-Lisboa, abrindo assim caminho a outras expedições semelhantes, onde existia tempo limitado para a viagem. Atravessaram a China, Paquistão, Irão, Turquia e Europa. Existe página no Facebook e livro publicado.
7. Em 1990, aconteceu o agora comemorado II Raide Macau-Lisboa, onde a componente cultural esteve bem vincada. Até ao momento, foi a única expedição que seguiu a Rota da Seda mais a Norte, através das Repúblicas do Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Turquemenistão, Azerbaijão, Geórgia, Rússia e Ucrânia (agora países independentes) e Europa. Sem dúvida uma Rota do Futuro, atendendo à atual valia económica e cultural da chamada “espinha da Ásia”. Acresce que, pela primeira vez desde 1907, duas expedições automobilísticas atravessavam toda a China e a Rússia Czarista, mais tarde URSS, e as suas diversas repúblicas, agora países.Mais histórias contaremos em devido tempo.
8. Ainda em 1990, José Lisboa, acompanhado por dois músicos sul-americanos há muito radicados no Algarve (Germano Britos e Patrício Madriaga, membros do grupo Narayana), parte de Lagos com o objetivo de integrar o Rali-Expedição Londres-Pequim, (The Great Motoring Challenge),organizado pela já mencionada Jules Verne Society. A ideia seria em seguida visitarem Macau. Não temos conhecimento que tenham conseguido o seu objetivo!
9. Nesse mesmo ano, em Novembro, o então Delegado daLusa em Pequim (e investigador do Tempo), Fernando Correia de Oliveira, empreenderia uma expedição entre Beijing-Lisboa, primeiro de comboio trans-mongoliano e trans-siberiano Moscovo-Budapeste, depois o Expresso do Oriente (para Ocidente) até Paris, e de Sud Expresso até Santa Apolónia, que designou de “Caviar e champanhe da Crimeia”.
11. Em finais de 1999, três portugueses em três motos partiram de Lisboa em direção a Macau, prevendo chegar ao território macaense no final de Outubro e afirmar a cultura portuguesa no Oriente. Esta expedição merece que a história seja contada por um dos seus protagonistas, Teresa Conceição, jornalista da SIC: A Expedição Missão Macau era composta por dois jipes e três motos. Sete portugueses compunham o projeto de chegar a Macau por terra em 1999, antes da transição política do território para administração chinesa. O projetofoi criado pelos três motards: João de Menezes e João Pedro, ambos do Porto, e Ricardo Andreia, de Lisboa. A acompanhá-los, para filmar e criar um documentário sobre a viagem, seguia uma equipa de reportagem da SIC (a jornalista Teresa Conceição e o repórter de imagem João Duarte), a produtora Maria de Lourdes e a repórter da Rádio Comercial Carmen Inácio. A expedição partiu de Lisboa em Setembro de 1999, mas foi travada antes de atingir o objetivo. A emboscada aconteceu a 10 mil km de Portugal, no Irão, na provínciado Baluchistão, perto da fronteira com o Paquistão e 50 km antes do local onde os esperava uma escolta policial. Este conjunto de sete pessoas a viajar em cinco veículos foi atacado na estrada por um grupo armado. Quatro portugueses conseguiram escapar, numa moto e dois jipes. Três portugueses foram travados e raptados: João Pedro, Ricardo Andreia e João Duarte, o repórter de imagem da SIC. O batedor da expedição em moto era João Menezes e conseguiu fintar as carrinhas iranianas que fizeram a emboscada. Quem escapou avisou imediatamente a políciairaniana, que iniciou perseguições nessa mesma noite. Os raptores eram narcotraficantes cujo líder havia sido capturado e condenado à morte. Precisavam de ter europeus como moeda de troca para tentar salvar o líder. Não conseguiram. As perseguições policiais duraram um mês através das montanhas do Afeganistão. Os traficantes foram apanhados e os três portugueses foram libertados. Vinham profundamente debilitados fisicamente, sem condições para continuar a viagem. A jornalista Teresa Conceição fez um documentário de 50 minutos sobre este tema, transmitido na SIC em 1999.
12. Terminamos com a curiosa – e, pelo que sabemos, inédita – aventura do casal português que pedalou de Ovar a Macau: Rafael e Tanya levaram um ano, sete meses e seis dias, mas tudo chegou em condições, incluindo as bicicletas!
Corria o ano de 2012!