Por: Maria José Limpo
Cinquenta anos depois do 25 de Abril e trinta após o PER, ainda se vive em barracas, no concelho de Almada. Só na Costa de Caparica mais de 100 pessoas reunidas no maior bairro de barracas desesperam por habitação. A Câmara, liderada por Inês de Medeiros, eleita pelo PS, desde 2017, remete a falta de resolução para a antiga autarquia e arrasta o problema há seis anos.
No passado dia 12, um incêndio, aparentemente causado pelo descontrolo de uma queimada, destruiu quatro barracas no bairro do Matadouro, em Almada. Não se registaram feridos. Ficaram desalojadas 10 pessoas.
Tentámos saber, junto do Serviço Municipal de Proteção Civil, onde se encontram essas pessoas e falámos com Vera Fernandes, que afirmou: “Não fazemos ideia onde estão. Contacte o Gabinete de Comunicação da Câmara”. Assim fizemos e, pela voz de Susana Canhão, que nos atendeu, a resposta foi idêntica. Isto é: ninguém sabe para onde foram as 10 pessoas que ficaram sem teto, na passada semana.
Uma situação que acaba por repetir-se há muitos anos, a quem fica desalojado por estas bandas. A autarquia, liderada pela socialista Inês de Medeiros, continua sem dar resposta ao problema da habitação em Almada.
Quase 50 anos depois do 25 de Abril, e trinta anos depois da aprovação do Plano Especial de Realojamento (PER), apesar das habituais promessas de autarcas e governantes, ainda há pessoas a viver em condições degradantes, sobretudo nos grandes centros urbanos.
Os desalojados e os que ainda vivem em barracas – só no bairro Terras da Costa, à saída da Via Rápida, junto às praias da Costa de Caparica, considerado um dos mais precários do país, vivem há 40 anos, cerca de 100 pessoas quase todas oriundas das antigas colónias, sem esgotos, por entre ratazanas e lixo, com um pequeno chafariz de água, sem casas de banho e o mínimo de condições.
Por entre lixo e ratos
Dezenas de barracas de tijolo, madeira e zinco, algumas de terra batida, erguem-se nas chamadas Terras da Costa, à mistura com pequenos quintais e hortas.
“Continuamos a aguardar por uma casinha. Há anos que esperamos. São só promessas” dizem à nossa reportagem alguns moradores, que já perderam a conta às visitas de políticos e governantes, que aqui se deslocam, amiúde, para prometer mais “qualquer coisinha” …
A maioria que aqui chega vem de África ou deixou de poder pagar habitação, ficando na rua. “Aqui há muitas doenças, sobretudo, respiratórias”, dizem.
Inês de Medeiros, eleita pelo PS para o próximo mandato e, à frente dos destinos da Câmara de Almada desde 2017, bem gostaria de acabar com as barracas do concelho, mas até agora está tudo na mesma.
Ao todo são precisos cerca de 160 milhões de euros e o problema levará, segundo afirmou a autarca, à volta de 10 anos a resolver.
Em março de 2022, a autarquia aprovou o início da construção de 95 fogos de renda acessível, num custo estimado em cerca de 865 mil euros. Segundo Filipe Pacheco, que tutela o pelouro da Habitação, ’’são fogos que se destinam a renda apoiada, destinados a pessoas que vivam em habitação precária e barracas”. Serão eventualmente realojadas pessoas que foram desalojadas no “Segundo Torrão’ na Trafaria e nas “Terras de Lelo e Abreu” na Costa de Caparica. Os fogos deverão estar concluídos em 2025.
Projetos que se “arrastam” no papel
Por arrancar, estão também, as obras da primeira fase do Projeto Habitacional de Almada Poente, num terreno de vistas soberbas sobre Lisboa, perto da Hospital Garcia de Orta, curiosamente, próximo de onde ficavam as barracas ardidas na passada semana…
O projeto foi apresentado pelo Governo em 2019, e a primeira pedra lançada três anos depois. Vai custar 125 milhões de euros ao Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), e surge pomposamente apresentado “de construção pública para arrendamento social”, mas que, na realidade, se destina a pessoas com ordenado acima da média.
São cerca de 3500 habitações divididas em quatro lotes orçamentados em 28,5 milhões de euros, incluindo a construção de 284 fogos cada um. Na altura, a autarca referiu que já estavam disponíveis cerca de 125 milhões de euros para os primeiros 1097 fogos a construir. As obras ainda nem sequer arrancaram.
Em outubro de 2021, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) lançou também dois concursos com vista à construção de mais 214 novas casas do chamado arrendamento acessível na zona de Almada, perto do hospital Garcia de Orta, nas zonas de Alcaniça e Três Vales, num custo total de mais de 50 milhões de euros. Não se sabe ainda também para quando o início das obras… São projetos que se “arrastam” anos no papel e vão sucessivamente passando de autarca para autarca, numa jogada política que desespera quem sobrevive em barracas e habitações indignas.