Profecia milenar ou delírio digital? A crença de que o Papa Francisco será o último pontífice romano ganha força online, alimentando divisões e apreensões no seio da Igreja Católica.
No labirinto da internet, onde teorias da conspiração florescem e se propagam a velocidades estonteantes, uma narrativa em particular tem vindo a captar a atenção de crentes e descrentes: a ideia de que o Papa Francisco poderá ser o último Papa. Esta teoria, longe de ser um mero devaneio digital, tem raízes profundas em antigas profecias eclesiásticas e encontra eco em sectores específicos do mundo católico, gerando um debate aceso sobre o futuro da Igreja.
A espinha dorsal desta teoria conspirativa reside na “Profecia dos Papas”, uma lista de 112 breves frases proféticas atribuídas a São Malaquias, um arcebispo irlandês do século XII. Esta profecia descreve sumariamente cada Papa, desde Celestino II (eleito em 1143) até ao último Papa, o 112º da lista, cujo lema é “Petrus Romanus”. Segundo a profecia, durante o reinado de “Petrus Romanus”, “a Santa Igreja Romana sentar-se-á durante a última perseguição”, e a cidade das sete colinas (Roma) será destruída, culminando no Juízo Final.
Para os crentes nesta teoria, o Papa Francisco encaixa perfeitamente nesta derradeira descrição. Sendo o 266º Papa, e tendo o papado já ultrapassado os 112 papas da lista de Malaquias, Francisco é visto como o pontífice que inaugura o fim dos tempos, o “Petrus Romanus” que antecede o apocalipse. Esta interpretação ganha força em alguns círculos católicos tradicionalistas, mais críticos em relação às reformas e à postura progressista do Papa Francisco. Estes grupos viam em cada acção ou declaração do Papa sinais que corroboram a iminência do fim, encontrando nas profecias de Malaquias uma validação para as suas apreensões.
A teoria da conspiração alimenta-se também de outras fontes, como as profecias de Nostradamus, cujas quadras enigmáticas são interpretadas de forma a reforçar a ideia de um fim próximo do papado e da Igreja. Sítios da internet e redes sociais tornaram-se palcos privilegiados para a disseminação desta teoria, com fóruns e grupos dedicados a desconstruir cada passo do Papa Francisco à luz das profecias, encontrando em cada evento um sinal apocalíptico.
As consequências desta teoria conspirativa são múltiplas e preocupantes. Em primeiro lugar, fomenta a divisão dentro da Igreja Católica, criando um clima de desconfiança e oposição em relação ao Papa Francisco. A narrativa de que Francisco é o “último Papa” pode ser usada para desacreditar a sua liderança e minar a sua autoridade, especialmente junto dos sectores mais conservadores da Igreja. Em segundo lugar, esta teoria contribui para a difusão de um ambiente de medo e incerteza entre os fiéis, alimentando receios sobre o futuro da Igreja e do mundo.
No entanto, é crucial sublinhar que a Igreja Católica não reconhece a “Profecia dos Papas” como doutrina oficial, e muitos teólogos e historiadores questionam a sua autenticidade e interpretação. O Vaticano nunca se pronunciou oficialmente sobre a teoria de que Francisco é o último Papa, mas a doutrina católica enfatiza a continuidade da Igreja e a promessa de Cristo de que as portas do Inferno não prevalecerão contra ela (Mateus 16:18).
Em suma, a teoria da conspiração de que o Papa Francisco é o último Papa é um fenómeno complexo, com raízes em antigas profecias e alimentado por tensões e divisões contemporâneas no seio da Igreja Católica. Embora encontre eco em determinados sectores, é importante analisar esta teoria com espírito crítico, separando a especulação da fé e recordando a mensagem central do Evangelho: uma mensagem de esperança e renovação, e não de medo e apocalipse.
