A Igreja Católica Apostólica Romana, cristã – professada por perto de três mil milhões de almas na sua fé e nos seus ditos canónicos —, é ainda a mais influente, pois decidiu ter um chefe. As outras duas maiores religiões, a judaica e a islâmica, não têm um chefe ou líder supremo.
Tal como está estruturado, o catolicismo — a igreja com maior representação em Portugal — funciona como uma democracia das altas cortes, que depois se converte numa monarquia. O líder, uma vez eleito pelos seus pares, ocupa o cargo até ao fim da vida (ou até ser deposto ou se cansar, como já aconteceu).
O chefe de Estado do Vaticano, Jorge Bergóglio, argentino católico de Buenos Aires, foi eleito há cerca de doze anos, quando o teólogo Ratzinger renunciou, percebendo que ser académico não bastava. É preciso ser político. Nesta qualidade destacam‑se João XXIII, João Paulo II e Francisco (ora falecido). A Igreja é uma organização política e de poder, baseada numa religião. A Igreja não é a fé, a crença, os princípios nem a comunhão de valores que une muitas pessoas (o que se denomina , isso sim, ‘religião’, religar pessoas).
Por isso, a lamentável morte de um ser humano que procurou, com o poder político e de influência do seu Estado, fazer eticamente o ‘bem’, representa sempre uma perda de imenso valor — sobretudo quando o líder em causa detinha um grande poder diplomático e um controlo de massas como Jorge Bergóglio, Francisco de seu nome como sumo pontífice, tinha. Para um ateu humanista, a morte de qualquer pessoa é sempre uma tragédia, uma dor.
Permitam‑me ir ainda mais longe: quem aqui escreve não é sequer ateu. Sou pós‑teísta, o que significa que a ideia de ‘Teo’, de ‘deus’, deve ser analisada à luz da História e da Antropologia. É algo de enorme valor, mas também algo ultrapassado. O sentimento de um pós‑teísta é diferente do de um ateu: este último está, normalmente, contra os que acreditam em deus ou em deuses e procura, de certa forma, ‘corrigir’ esse desvio.
Um pós‑teísta, não. Respeita integralmente que existam pessoas a ‘crer’ hoje do mesmo modo que há doze mil anos outros ‘acreditavam’ ou ‘criam’. Não tenho, pessoalmente, qualquer desejo de ir contra ou a favor. Emocionam‑me as manifestações de carinho, respeito, dedicação e até de defesa incondicional da obra de um político que se empenhou na diplomacia pela paz, contra o capitalismo selvagem, e na punição de padres e prelados infanticidas e pedófilos.
Gosto e respeito todos os rituais, os quais são sempre raros e, por isso, importantes. Dentro do Vaticano existem diversos ‘partidos políticos’: uns mais conservadores, outros mais liberais e até alguns progressistas. Espero sinceramente que o Conclave — a reunião onde se decidirá tudo — não seja dominado por trogloditas que pretendam dar ao Vaticano o mesmo rumo que Trump está a impor aos Estados Unidos. E conto que um dos nossos cardeais, Tolentino, enfie juízo naquelas cabeças. Receio que uma Santa Sé virada para o conservadorismo seja um dos piores passos que se possa dar neste momento.