Jornais e fotos sobre a estada de Gago Coutinho e Sacadura Cabral em Cabo Verde vão ser doados à ilha de S. Vicente
Três volumes encadernados de originais do jornal” Notícias de Cabo Verde”, a coleção completa e um álbum de fotos originais da estada dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral no arquipélago crioulo, vão ser doados à biblioteca Municipal de S. Vicente, Cabo Verde, como preciosas fontes de estudo para historiadores, investigadores e estudantes.
A autora da doação, que já se encontra em Cabo Verde, é Maria Helena Ribeiro da Costa Pinto e Neto, 87 anos, a “Milena” como lhe chamam, natural de S.Vicente, a viver em Portugal há 77 anos. O álbum, com cem anos, feito manualmente, em cartolina, com fotos da reportagem de seu pai, Raul Ribeiro e seu tio Manuel Ribeiro de Almeida(fundador do jornal).
Eles fizeram parte da comissão de honra na receção aos aviadores portugueses. Tratou-se do “raid aéreo” Lisboa – Rio de Janeiro, e as fotos referem-se a 5 e 7 de abril de 1922, na baía da Matiota.
Licenciada em filologia germânica e que foi responsável pelo Centro de Documentação da empresa metalomecânica Mague, ao longo de mais de duas décadas, Milena Neto conta que os jornais que tem guardado ao longo da sua vida, em Lisboa, têm sido muito procurados para consulta por parte de estudantes e investigadores. “Eles consideram que os jornalistas relatam os acontecimentos mais em cima do tempo real e, por isso, as notícias, reportagens e artigos lhes dão uma perceção mais próxima do que se terá passado à época” diz.
O Notícias de Cabo Verde, fundado na ilha de S. Vieente, mas abarcando todo o território, permite, pelos diversos conteúdos, uma diversidade de análises de caráter económico, social, sociológico, histórico, politico, publicitário e desportivo, entre tantas outras matérias de grande curiosidade.
Através dos seus exemplares podemos conferir um período da vida de Cabo Verde, sob censura do regime colonial. Ao longo das suas páginas, insere-se o alerta: “Visado pela Censura”.
Nos exemplares, cuidadosamente tratados, podem ler-se acontecimentos como a impressionante queda do muro da assistência, que matou 230 de pessoas e feriu mais de cem outras, em 20 de fevereiro de 1949, sob o título “A Enorme Catástrofe da Cidade da Praia”, assunto tratado em primeiras páginas de diversos números.
A visita do antigo ministro do ultramar, prof dr. Adriano Moreira, em 28 agosto de 1962, ou a chegada a Cabo Verde do governador Silvério Marques, a 15 de janeiro de 1959, eram sempre relatadas, como em relação a outros altos cargos, como algo de esperançoso de que haveria alguma mudança. Os movimentos independentistas já eram referidos, mas relativamente a outras colónias ou países.
O jornal era também muito versátil, pois possuía várias rubricas, como por exemplo: “O que os outros dizem de nós” e aqui vemos, de Auguste Chevallier, um escrito que diz: “as crianças vão à escola e têm desejo de se instruir: coisa curiosa, a proporção dos analfabetos é menor no arquipélago do que em Portugal…”.
Num período em que o censo registava em Cabo Verde 201.549 habitantes, podem ver-se artigos de opinião sobre a industrialização de Cabo Verde ou a produção do açúcar e do café, saúde pública e economia do arquipélago.
José Lopes – o poeta do Atlântico, assumia lugar de destaque na cultura assim como se encontram curiosidades sobre vendas de músicas de Cabo Verde (mornas, masurkas, polcas, etc).
Já se dava importância a transformações de conceitos no tecido social, como a notícia da primeira mulher negra tenente, nos Estados Unidos: Willa Beatrice Brown, 31 anos, era semente que se espalhava por todos os continentes.
Havia uma coluna de culinária e também uma coluna de desenhos humorísticos que sempre criticava a sociedade.
O pai de Milena, também empresário e que assumiu cargos na administração pública foi diretor do jornal em simultâneo com seu irmão, Manuel Ribeiro de Almeida “O Leça” até à morte deste, em 1959. Depois, Raul Ribeiro continuou a ser o único diretor e foi o último até ao fim do Notícias de Cabo Verde. Ambos foram sócios-gerentes da Firma M. Ribeiro de Almeida, casa comercial muito conceituada não só em Cabo Verde como no estrangeiro, pois tinha muitas representações. A firma fundou a Fábrica Progresso, de óleos e Sabões, que infelizmente muitos anos depois ardeu completamente, não tendo sido reconstruída, e a Fábrica de Tabacos, que ainda hoje existe.
Raul Ribeiro foi durante muitos anos Cônsul de França, foi vice-presidente da Câmara Municipal de S. Vicente e foi membro do Conselho do Governo de Cabo Verde de 1961 a 1963. (OL)