Nova legislação entra em vigor já no próximo ano letivo. Medida é sustentada por evidência científica que demonstra melhorias no ambiente escolar após restrições ao uso de smartphones
O Governo aprovou, esta quinta-feira, em Conselho de Ministros, um decreto-lei que proíbe a utilização de telemóveis e outros equipamentos eletrónicos com acesso à internet pelos alunos do 1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico, ou seja, até ao 6.º ano de escolaridade. A medida, de aplicação obrigatória tanto no ensino público quanto no privado, será implementada a partir do ano letivo 2025/2026 e pretende responder às crescentes preocupações com os impactos do uso excessivo de tecnologia nas escolas.
A decisão surge na sequência de um estudo promovido pelo Centro de Planeamento e de Avaliação de Políticas Públicas (CPP), divulgado na mesma data, que revela efeitos positivos da proibição de smartphones nas instituições que já haviam adotado restrições voluntárias, na sequência de recomendações emitidas pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) em setembro de 2024.
Bullying e indisciplina em queda: os dados do estudo
De acordo com o relatório do CPP, mais de metade das escolas que implementaram a proibição reportaram uma “redução substancial” de comportamentos problemáticos, como o bullying e a indisciplina. As melhorias foram mais acentuadas no 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, mas também se verificaram no ensino secundário — mesmo em contextos onde a proibição foi mais limitada.
Concretamente:
59% das escolas do 2.º ciclo relataram menos casos de bullying;
53,6% observaram uma redução na indisciplina;
No 3.º ciclo, os números mantiveram-se elevados: 57,8% para bullying e 57,4% para indisciplina;
No ensino secundário, 55,6% das escolas que adotaram a medida notaram menos casos de bullying, e 59,5% referiram menor indisciplina.
Além disso, as escolas relataram um aumento generalizado da socialização entre os alunos durante os intervalos, bem como uma maior utilização dos espaços exteriores e das zonas de jogos. “Há um impacto visível na forma como os alunos interagem quando os telemóveis não são uma extensão constante do seu dia a dia”, refere o relatório.
Adoção desigual e dificuldades na implementação
Apesar das conclusões claras do estudo, a recomendação anterior do MECI não teve aplicação uniforme. Segundo os dados:
No 1.º ciclo, 21,3% das escolas não adotaram a recomendação;
No 2.º ciclo, a taxa de não adesão subiu para 59,1%;
No 3.º ciclo, apenas 24,9% das escolas aplicaram a proibição;
No ensino secundário, só 7,6% das escolas adotaram medidas restritivas.
Diretores escolares ouvidos no âmbito do estudo indicaram dificuldades na fiscalização da medida, sobretudo em estabelecimentos com vários níveis de ensino a funcionar no mesmo espaço físico. Houve também resistência por parte de alguns encarregados de educação, preocupados com a perda de contacto com os filhos durante o horário escolar, especialmente em casos de longa distância entre casa e escola.
Por isso mesmo, muitos defendem uma implementação faseada e acompanhada por campanhas de sensibilização, para que a comunidade educativa compreenda os fundamentos da decisão e contribua para o seu sucesso.
Educação para a Cidadania também será revista
Na mesma reunião do Conselho de Ministros, foi igualmente aprovada a revisão da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, que será aplicada a partir do ano letivo 2025/2026. A disciplina, que tem sido alvo de debate público nos últimos anos, deverá sofrer alterações no conteúdo programático e na abordagem pedagógica, embora os detalhes ainda não tenham sido divulgados.
O ministro da Presidência confirmou ambas as medidas em conferência de imprensa, mas remeteu as explicações técnicas para o ministro da Educação, Fernando Alexandre, que deverá apresentar os detalhes dos diplomas no início da próxima semana.

Tecnologia nas escolas: debate ainda longe do fim
A decisão do Governo insere-se num debate mais amplo sobre o lugar das tecnologias digitais em contexto escolar. Se, por um lado, há consenso sobre o potencial pedagógico das ferramentas digitais, por outro cresce a preocupação com o uso não pedagógico dos dispositivos móveis, associado à distração, isolamento social, dependência digital e, como mostra o estudo, a comportamentos disruptivos.
Especialistas em educação sublinham que a proibição de smartphones não deve significar um afastamento da tecnologia na aprendizagem, mas sim uma gestão mais consciente e estruturada do seu uso. “O que está em causa não é demonizar o telemóvel, mas criar espaços e momentos protegidos para o desenvolvimento das competências cognitivas e sociais”, afirmou ao PÚBLICO uma fonte próxima da equipa que elaborou o estudo.
Uma nova norma para o espaço escolar
Com esta medida, o Executivo estabelece uma norma nacional que se sobrepõe às diretrizes locais, uniformizando a política de uso de dispositivos móveis até ao 6.º ano de escolaridade. A sua eficácia dependerá, no entanto, da forma como será aplicada nas escolas, da articulação com os encarregados de educação e da clareza das regras internas.
A curto prazo, a prioridade será assegurar a transição suave para este novo modelo. A médio e longo prazo, a medida poderá contribuir para uma melhoria generalizada do ambiente escolar, apostando em relações interpessoais mais saudáveis e num maior foco no processo de aprendizagem.