“Guerras do Trigo” – a importância do “pão” na definição de Estados
Terminei a minha leitura de “As Guerras do Trigo” de Scott Reynolds Nelson (2022) uma história geopolítica dos cereais que estabelece um paralelo com a Ucrânia de hoje, em guerra. A importância dos cereais ao longo da história, enquanto alimento e tributo de troca de sobrevivência ou derrube de regimes. Faz-nos recordar Portugal e a célebre Campanha do Trigo, entre 1928-34, medida protecionista do regime fascista de Oliveira Salazar que fomentou o aumento da produção deste cereal, quando a escassez se verificava por toda a Europa devido à guerra. No período da 2ª guerra mundial, os camponeses em Portugal eram obrigados a entregar, ao Estado, uma parte da sua produção de trigo, sendo para algumas famílias um drama que as obrigava a cavar um buraco no solo para esconder parte da sua produção.
Em “Guerras do Trigo” Reynolds Nelson percorre os últimos 12 000 anos da humanidade para explicar como o controlo e organização da produção, armazenamento e distribuição do trigo para o fabrico do pão condicionou a história dos impérios e das guerras .
Começa em Odessa, curiosamente, onde, nos dias de hoje, bloqueio no Mar Negro, por causa da invasão da Rússia à Ucrânia, levou à intervenção da ONU, tendo em conta o risco de muitos países, nomeadamente em África, sucumbirem à fome. Metade dos cereais consumidos pelo Programa alimentar PAM, sã fornecidos pela Ucrânia.
A pujança dos cereais da região de Odessa, remonta a 1763, pelo apoio da Czarina Catarina II à fixação em terras russas, dando-lhes terras para o cultivo de cereais, sendo estes uma forma de tributo, como o foram no império Ateniense, Bizantino e Otomano. Essa ação fazia parte de um plano de construção do Império Russo, que previa o cultivo em larga escala de trigo na Ucrânia e a sua exportação para a Europa como forma de a controlar. Os residentes de Odessa vinham de partes distantes do mundo, ocupando o que ainda hoje parece uma cidade costeira francesa, diz o autor, referindo como Alexandre Puskin a descreveu: a “poeirenta Odessa”, era já “Europa”.
“Ali tudo respira, difunde a Europa,
Brilha do Sul e é alegre
Com variedade vibrante.
A língua da áurea Itália
Ressoa ao longo de alegre rua,
Por onde caminha o orgulhoso eslavo,
o francês, o espanhol, o arménio
e o grego, e o robusto moldavo,
E aquele filho do solo egípcio,
O corsário aposentado, Morali”
O autor revê a história americana e europeia no que toca as grandes crises financeiras e á circulação dos cereais, que nos remete para a relação entre a estabilidade social e o mínimo necessário à subsistência tendo o pão como objeto político.