Várias são as reações negativas à Conferência de imprensa do bispo, D. José Ornelas. Católicos e associações que lidam com vítimas deste tipo de crimes já reagiram à resposta da Igreja ao relatório da comissão independente sobre abusos sexuais. Pelo menos, 4815 crianças e jovens terão sido alvo de abusos por parte de membros da Igreja Católica nos últimos 70 anos. D. José Ornelas anunciou a criação de uma nova comissão para continuar a receber denúncias e analisar casos (embora sem grandes detalhes), de apoio psicológico para todas as vítimas que o necessitem e queiram e um “memorial”. E colocou nas mãos de cada bispo e de cada diocese a decisão de afastar alegados padres abusadores.
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), José Ornelas, remeteu eventuais
indemnizações às vítimas de abusos sexuais para os seus autores, indiciando que não haverá lugar a indemnizações por parte da instituição. Mas, para as vítimas, pagar indemnizações e reconhecer o erro é o mínimo que a Igreja pode fazer. É um gesto que, evidentemente, não cobre o sofrimento que as pessoas têm, mas é um gesto mínimo.
“Quanto ao apoio às vítimas, a questão das indemnizações é clara, tanto no Direito Canónico, como no Direito Civil. Se há um mal que é feito por alguém é esse alguém que é responsável, para falar de indemnização”, afirmou José Ornelas.
No entanto, essa posição da Igreja já está a ser alvo de fortes contestações. O ex-deputado e professor universitário José Manuel Pureza, um dos mais de 130 subscritores de uma carta enviada ao organismo presidido pelo bispo José Ornelas, exige mudanças no comportamento da Igreja e avisa que é preciso ir além dos pedidos de perdão.
Do ponto de vista de algumas das vítimas, pagar indemnizações e reconhecer o erro é o
mínimo que a Igreja pode fazer. É um gesto que, evidentemente não cobre o sofrimento que as pessoas têm, mas é um gesto mínimo. Até pegando na experiência de outros países – em França, por exemplo, a Igreja vendeu um conjunto de propriedades para conseguir pagar indemnizações, porque os valores são astronómicos.
DISCURSO AMBÍGUO…
Já a associação Quebrar o Silêncio, que apoia homens e rapazes abusados sexualmente,
classificou como ambíguo o discurso da Igreja Católica portuguesa, questionando como vai ser operacionalizado o apoio psicológico prometido às vítimas.
“O discurso foi ambíguo”, disse à Lusa o presidente da associação, Ângelo Fernandes, numa reação às conclusões da Assembleia Plenária extraordinária da Conferência Episcopal
Portuguesa (CEP), que sexta-feira decorreu em Fátima para analisar o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Menores na Igreja Católica em Portugal.
Após a Assembleia Plenária extraordinária, que se realizou em Fátima, dedicada,
exclusivamente, à análise do relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos
Abusos Sexuais de crianças na Igreja Católica em Portugal, divulgado em 13 de fevereiro, D. José Ornelas afirmou aos jornalistas: “Falar de ajuda e apoio às vítimas – que é justo que o tenham – isso é uma prioridade para nós”, garantindo que “ninguém vai deixar de ter acesso a tratamento psicológico por falta de meios”.
Insistindo que no Direito Canónico e no Direito Civil “as penas e indemnizações são do direito pessoal”, o também bispo da Diocese de Leiria-Fátima reafirmou que a Igreja Católica quer fazer justiça “e a justiça faz-se com um procedimento reto e justo”.
Questionado se as medidas hoje anunciadas vão ao encontro das expectativas das vítimas,
frisou que para a CEP estas “não são uma mão cheia de nada”.
“Para nós é uma mão que vem cheia de compromissos”, declarou, notando que o caminho
feito no interior da CEP, de clareza e transparência neste processo, “vai continuar agora”,
assumindo que é “preciso mudar uma cultura na Igreja na sociedade”.
Mas Ângelo Fernandes, da Associação Quebrar Silêncios, diz ter dúvidas “como é que o apoio psicológico vai ser garantido, em que circunstâncias e quem vai prestar esse apoio”,
apontando a falta de “medidas mais concretas e detalhadas” no tempo. O dirigente da
associativo realçou, ainda, que o apoio psicológico a vítimas de abusos sexuais “tem de ser
altamente especializado”, exigindo “conhecimento sobre trauma”.
Por seu turno, o professor universitário e antigo deputado do Bloco de Esquerda José Manuel Pureza defende que os bispos devem equacionar o cenário de indemnizar as vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica, cujos testemunhos foram revelados pela Comissão Independente.
“É algo que a Igreja deve encarar. Não pode estar, de maneira nenhuma, excluída essa
hipótese. Noutras situações, idênticas àquelas que se viveram em Portugal, outras igrejas
adotaram essa medida de reparação pecuniária às vítimas e às suas famílias. É de encarar com toda a determinação essa possibilidade, porque não sendo senão uma ferramenta, é uma ferramenta que deve ser mobilizada pela Igreja Católica”, refere, em declarações à Lusa.
“É absolutamente necessário que a resposta dada pela hierarquia católica não seja
minimalista. Tem de ser uma resposta de plena determinação e com todas as consequências que é necessário tirar daquele relatório trágico”, diz, continuando: “Se ficarmos apenas por um pedido de perdão genérico e que não seja um pedido de perdão diretamente e pessoalmente a cada uma das vítimas que esteja diante de nós, valerá alguma coisa, mas muito pouco”.
QUE FAZER DOS ABUSADORES
À pergunta sobre qual o tratamento para sacerdotes abusadores, José Ornelas reconheceu que é preciso cuidar não apenas das pessoas abusadas, como dos abusadores, caso contrário “são bombas vagantes”.
“Para isso, aqui no país, precisamos de ter capacidade de encontrar soluções. Este é um dos temos consensuais não só para os bispos, mas também para as congregações religiosas”, declarou, referindo que este é um dos pontos concretos que está em cima da mesa e que “pode servir para outras pessoas e que é importante, particularmente, neste caso”.
Contestando, de certa forma, o bispo, Pedro Strecht, o pedopsiquiatra que coordenou
Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal – e cujo relatório final foi divulgado a 13 de fevereiro – sublinhou que “caberá à igreja decidir e pensar sobre os dados que tem, que obviamente são importantes e significativos”.
Pedro Strecht, que teve sexta-feira uma reunião no Ministério da Justiça, em Lisboa, com as ministras da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, salientou que as listas remetidas pela comissão apenas continham nomes, sem qualquer outra informação, e sobre se isso seria uma limitação à continuidade da investigação, até pela própria igreja, Pedro Strecht desvalorizou.
IGREJA JÁ SABE…
“A lista que foi entregue faz parte daquilo que a igreja já sabe também diocese a diocese. Esses dados foram trabalhados também pelo grupo de investigação histórica na pesquisa que foi realizada nos arquivos históricos e secretos, portanto não vejo assim motivo para
preocupação”, disse, acrescentando que a igreja dispõe de “dados sobre cada um desses
casos”.
“Há vários mecanismos de que a igreja dispõe e que certamente poderá usar mesmo dentro do direito canónico e de perceber também o que acontece diocese a diocese. Não tenho dúvidas de que cada senhor bispo desejará saber o mais possível o que é que pode estar a acontecer na sua diocese, para prevenir e, sobretudo, para que o futuro em cada local seja sempre garantido de uma forma diferente e saudável. Senão não fazia nenhum sentido que a própria igreja tivesse pedido este estudo há cerca de um ano e obviamente não fosse capaz de lidar com esses dados. Vai com certeza ser capaz de lidar com esses dados”, acrescentou.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica
validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de
15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão.