As pessoas estão a viver cada vez pior, com menos rendimentos, castigadas por uma inflação que não termina e por uma carga fiscal crescente, sentindo, no dia a dia, o peso dos impostos da inflação. No entanto, o Presidente da República, com o optimismo que o caracteriza, acredita que “há folga para desagravar os impostos”.
Claramente, o peso dos impostos em Portugal, hoje, é excessivo. As famílias e as empresas pagam impostos a mais, que já há muito tempo deviam ter sido reduzidos. Mas ninguém acredita que o governo reduza os impostos. Em 2022, os portugueses pagaram mais 23,6 mil milhões de impostos e contribuições do que tinham pago em 2015.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), pelo quarto ano consecutivo, a carga fiscal sobre o trabalho subiu em Portugal, que está entre os 10 países da OCDE onde os trabalhadores mais descontam. Aquilo que sai todos os meses do salário bruto para IRS e contribuições sociais tem um peso cada vez maior. Entre 2021 e 2022, foram as famílias com filhos que mais sentiram o aumento.
Na rentrée política, todos os partidos com assento parlamentar fizeram questão de falar da elevada carga fiscal em Portugal. E, na sequência do desafio lançado pelo PSD ao Governo para reduzir o IRS ainda este ano, o Presidente da República veio a terreiro reconhecer que a situação dos cofres do Estado permite descer impostos, mas alerta para as incertezas da economia internacional.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, a diminuição de impostos é “uma reivindicação dos portugueses há muito tempo, sobretudo dos jovens”. “É um conjunto de medidas que todos temos a noção de que mais tarde ou mais cedo terá de estar na discussão e na decisão dos governantes. Em que termos concretos isso depende muito do panorama económico global. O panorama económico global é de crescimento, cresce agora neste trimestre, cresce no estrangeiro e cresce em Portugal”, frisou.
“Este período que estamos a viver é difícil para o mundo, para a Europa e para Portugal. E nesse período difícil nós encontramos ainda a guerra, ainda muita crise económica e financeira, em Portugal a inflação está a descer, mas não está no resto da Europa, o Estado está com as contas equilibradas e há folga para desagravar impostos, vários partidos já falaram nisso, o Governo e a oposição. Em que termos, muito ou pouco, vai depender da evolução da economia”, declarou o chefe de Estado.
Luís Montenegro, líder do PSD, trouxe para a discussão pública, num comício em Quarteira, no Algarve, a necessidade de uma redução, ainda este ano, das taxas do IRS em todos os escalões, menos no último, uma medida que seria financiada pelo excedente da receita fiscal.
PSD quer reforma fiscal
Na tradicional Festa do Pontal, que marca a “rentrée” política dos sociais-democratas, Luís Montenegro avançou com um “programa global de reforma fiscal” do qual fazem parte “cinco medidas imediatas”.
António Leitão Amaro, o vice-presidente do PSD que coordenou o plano fiscal, considera que Portugal tem “impostos no máximo e serviços públicos nos mínimos” e que “está a empobrecer relativamente à Europa”, devido a uma “carga fiscal que com o PS atingiu recordes”.
O dossier apresentado assenta em três eixos que recaem na redução da carga fiscal, especialmente sobre o trabalho e investimento, com a prioridade a ser a redução do IRS, seguida da redução do IRC; melhoria da equidade do sistema fiscal e uma reforma da infraestrutura tributária.
Entre as medidas para a redução do IRS, o PSD defende um “alívio fiscal imediato de 1.200 milhões de euros”. Essa redução aponta o partido deverá ter efeitos já a partir deste ano e é financiada “com a devolução de parte do excesso de receita fiscal cobrada pelo Estado em 2023”.
A resposta do PS às medidas que o PSD apresentou para reduzir os impostos demorou poucas horas a chegar. E não é boa: depois de ter ouvido os responsáveis sociais-democratas a detalharem ao país as suas medidas, o PS organizou uma espécie de contra-conferência de imprensa para arrasar as “mentiras” do partido de Luís Montenegro.
Quanto ao tema que marca a rentrée política — a baixa de impostos — não haverá acordo possível ao centro, deixou antever o PS, ou não se tivesse dedicado a identificar os “sete pecados capitais” de um conjunto de propostas que resumiu a um “logro”.
O responsável pela reação socialista foi o secretário-geral adjunto do partido, João Torres, que lançou uma série de acusações e críticas ao PSD, encontrando defeitos em todas as medidas e intenções já anunciadas pelos sociais-democratas.
Proposta “frouxa”
Já Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, defende que o que é preciso é “baixar impostos para quem menos tem” e “para quem vive do seu trabalho”, criticando o PSD por fazer um discurso sobre baixar impostos que acaba por “beneficiar quem mais tem”.
Por seu turno, o presidente da Iniciativa Liberal classificou como “proposta frouxa” a reforma fiscal apresentada pelo PSD, defendendo que tanto as intenções dos sociais-democratas como dos socialistas ficam “muito aquém” do que seria necessário para “revitalizar a economia do país”.
“A ideia com que fico é que estamos a falar de uma liga dos últimos do desagravamento fiscal porque aquilo que se conhece das intenções, quer do PS, quer do PSD, são intenções que ficam muito aquém daquilo que seria necessário para revitalizar a economia do país”, afirmou o presidente da IL.
Para o PCP, é necessário “baixar os impostos aos trabalhadores, aos pensionistas, às micro, pequenas e médias empresas, baixar os impostos sobre o consumo, que são os mais injustos; e tributar adequadamente quem hoje beneficia dessas opções”.
Esforço fiscal desadequado
Numa coisa políticos e economistas estão de acordo. A carga fiscal não é o instrumento mais adequado para calcular o impacto do pagamento de impostos no bolso dos cidadãos, sobretudo quando comparamos diferentes países, com níveis de rendimento e preços muito distintos. Assim, o esforço fiscal é uma métrica mais adequada porque relaciona os impostos cobrados com a capacidade económica do contribuinte.
Os economistas lembram: É nos países mais desenvolvidos e com maiores rendimentos que a carga fiscal é mais elevada na UE. No entanto, nesses países os contribuintes dispõem de maior capacidade económica para cobrir os seus encargos fiscais. Assim, o esforço fiscal acaba por ser inferior ao esforço que se verifica noutros países que, apesar de terem menor carga fiscal, têm também rendimentos muito inferiores. A ideia chave é que a carga fiscal de cada país tem de ser ponderada pelo seu nível de vida.
Todos baixaram menos Portugal
Como lembram alguns especialistas, na maior parte dos Estados-membros da UE houve uma diminuição das taxas máximas de IRS. Portugal esteve em contraciclo e foi dos que mais aumentou as taxas máximas deste imposto.
Nas últimas duas décadas e meia, Portugal esteve entre os poucos países da União Europeia que aumentou as taxas máximas do imposto sobre o rendimento, de acordo com o relatório anual da Direção-Geral de Impostos e União Aduaneira da Comissão Europeia, tendo sido mesmo, dos que aumentou mais.
No documento, Bruxelas nota que “na maior parte dos Estados-membros e ao nível da União Europeia, se registou uma diminuição das taxas máximas de imposto”, sendo que a par de Portugal também na Grécia e na Letónia se verificou um aumento, ainda que neste último caso se mantenha num nível baixo.
Cidadãos entendem
Mas, mesmo assim, uma carga fiscal elevada pode ser compreendida e aceite pelos cidadãos, se no seu dia-a-dia se tornarem visíveis os resultados do sacrifício que, por essa via, lhes é exigido. Por exemplo, nos países nórdicos o nível dos impostos é dos mais elevados do mundo, mas os benefícios daí decorrentes são palpáveis, para todos, no que respeita à qualidade dos serviços públicos.
Infelizmente, não é isso que entre nós se verifica, como todos podemos comprovar. É exactamente o inverso: pagamos muito e recebemos pouco em troca (e, muitas vezes, de deficiente qualidade). O que pode ter adicionais consequências perversas, como sucede no domínio da saúde, pois que, perante a incapacidade do SNS em dar resposta às necessidades, os Portugueses optam, cada vez mais, pela contratação de seguros.
A remuneração média em Portugal subiu para os 1.500 euros brutos em 2022. Subiu em número face ao ano anterior. Mas em termos reais recuou por causa da inflação. Fator determinante para a subida da carga fiscal e para a perda do poder de compra, já que em muitos casos essa subida nominal dos salários não chega para fazer face ao aumento dos preços.