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Já pagámos oito mil milhões para o BES

O BES desapareceu há dez anos, uma notícia que, no domingo 03 de agosto de 2014, caiu com estrondo apesar da sucessão de escândalos com o grupo e levou a fortes críticas ao Banco de Portugal por atuação tardia. Dez anos passados, a “resolução do BES”já custou cerca de 8.000 milhões de euros aos cofres públicos, mas as contas ainda estão longe de estar fechadas.

A solução encontrada, há 10 anos, para a resolução do caso BES já custou cerca de 8.000 milhões de euros aos cofres públicos, ou seja aos portugueses, mas as contas ainda estão longe de estar fechadas. Segundo cálculos feitos pela Lusa, até agora, a fatura de 8.000 milhões de euros resulta sobretudo da capitalização inicial do Novo Banco (o banco de transição criado no mesmo dia da resolução do BES) e das recapitalizações posteriormente feitas pelo Fundo de Resolução (FdR).

Mas as contas não estão fechadas: por um lado, o FdR terá de pagar aos credores do BES e terá de assumir eventuais indemnizações decididas pelos tribunais. Por outro lado, numa venda do Novo Banco o Fundo de Resolução e o Estado directamente ficarão com parte das receitas, valor que se deduzirá aos custos do Estado com a resolução do BES.

O fim do BES implicou a criação do Novo Banco (para onde foram transferidos ativos considerados ‘bons’ e depósitos de clientes), detido pelo Fundo de Resolução (FdR) bancário (entidade pública financiada por contribuições dos bancos) e foi capitalizado por este com 4.900 milhões de euros. Contudo, como não tinha dinheiro suficiente para capitalizar o Novo Banco, o FdR pediu ao Tesouro público 3.900 milhões de euros que conta devolver a longo prazo (30 anos).

Em outubro de 2017, 75% do Novo Banco foi vendido ao fundo de investimento norte-americano Lone Star, que não pagou qualquer preço (injetou 1.000 milhões de euros no Novo Banco) e acordou com o Estado um mecanismo de capital contingente pelo qual até 2026, e com um limite de 3.890 milhões de euros, o FdR teria de compensar o banco por perdas em ativos que pusessem em causa os rácios de capital.

Até agora, ao abrigo deste mecanismo, o Novo Banco já recebeu cerca de 3.500 milhões de euros. Desse valor, mais de 2.000 milhões de euros vieram de empréstimos do Estado ao FdR.

Em relação aos credores do BES, a lei estabelece que nenhum credor pode suportar perdas maiores numa resolução do que teria numa liquidação (‘no creditor worse off’). A comissão liquidatária do BES reconheceu, em 2019, créditos comuns no valor de 2.222 milhões de euros.

A história das ilegalidades

Tudo começou em 2013, quando surgiram os primeiros indícios de problemas no Banco Espírito Santo (BES) e no Grupo Espírito Santo (GES). A “boca pequena” falava-se de corrupção e de desvio de dinheiros. Os sinais vão-se evidenciando, criando instabilidade e danos reputacionais para o grupo financeiro.

O apertar do cerco do Banco de Portugal (BdP) revela buracos financeiros em empresas do grupo (desde logo na ESI – Espírito Santo International) e a promiscuidade entre áreas financeira e não financeira. Ao mesmo tempo, vem a público que o presidente do BES, Ricardo Salgado, recebeu milhões de euros do construtor civil José Guilherme e que não os declarou ao fisco, Salgado e Álvaro

Sobrinho (ex-presidente do BES Angola) entram em rota de colisão e a luta de poder entre Salgado e o primo José Maria Ricciardi acentua-se.

O ano de 2014 é de adensar dos problemas do GES (empresas com dívidas ocultas e ativos sobreavaliados) e do BES (o banco usava os clientes para financiar empresas do grupo através da colocação de dívida, como papel comercial), mas nos primeiros meses a perspetiva é de que o banco se conseguirá estabilizar.

O BdP recomenda um aumento de capital e mais de 1.000 milhões de euros são subscritos em junho, apesar de o prospeto indicar já irregularidades financeiras e legais. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários diria depois que foi graças a si que o prospeto alertava para riscos e que houve 30 versões até ao documento final (posteriormente percebeu-se que a realidade era bem pior do que aí constava).

Ainda durante o processo do aumento de capital, Salgado contacta o primeiro-ministro, Passos Coelho (Governo PDS/CDS-PP), a quem pede que interceda por um empréstimo de 2.000 milhões de euros da Caixa Geral de Depósitos ao GES. Este recusa.

Salgado tenta publicamente dar uma imagem de confiança – considera que o aumento de capital foi o de maior sucesso desde a privatização do banco, em 1992 – mas ainda em junho é forçado pelo BdP a sair do cargo que ocupava há mais de 20 anos.

A instabilidade e os rumores não abrandam e, no início de julho, o BdP diz que “a situação de solvabilidade do BES é sólida”, que foram tomadas medidas “para evitar riscos de contágio ao banco resultantes do ramo não financeiro do GES” e que se for preciso haverá um novo aumento de capital.

Derrocada total

Mas a derrocada prossegue: as ações do BES e da Espírito Santo Financial Group (a ‘holding’ familiar que detinha 25% do BES) tombam em bolsa, empresas do grupo entram em reestruturação, o suíço Banque Privée Espírito Santo atrasa o reembolso a clientes que investiram em dívida da ESI e começa a fuga de depósitos no BES. O escândalo vira internacional, com o Financial Times (FT) e o Wall Street Journal a noticiarem que os mercados internacionais “caem com receios sobre o banco português”.

É antecipada a entrada da nova gestão, sendo presidente Vítor Bento (atual presidente da Associação Portuguesa de Bancos).

As garantias do supervisor são recordadas em 21 de julho pelo Presidente da República, Cavaco Silva. “O BdP tem sido perentório, categórico, a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo”, disse aos jornalistas, declarações recorrentemente recordadas por quem perderia dinheiro na resolução passados 15 dias.

A nova gestão do BES vai descobrir que a situação é ainda mais grave. O banco tinha continuado a usar os seus clientes para financiar empresas do grupo, a exposição ao BES Angola de 3,0 mil milhões de euros está em risco de ser perdida (a garantia soberana angolana acabaria revogada) e há as cartas de conforto passadas por Salgado a duas empresas da Venezuela (que passam para o BES responsabilidades por dívida do GES). Com as notícias sobre incumprimentos, muitos clientes de retalho exigem o reembolso do investimento.

Vítor Bento dirá em maio de 2015 ao Expresso que “o BES era como um campo de minas, rebentavam por todo o lado”.

Na noite de 30 de julho de 2014, as contas do primeiro semestre revelam prejuízos de 3,6 mil milhões de euros e desnudam irregularidades financeiras e legais. Mais, o banco tinha rácios de solvabilidade abaixo do exigido para funcionar.

Ainda assim, nessa noite, tanto Vítor Bento como o governador do BdP, Carlos Costa, garantiram por escrito que o banco vai continuar. Em cinco dias tudo mudaria.

O livro ‘O Governador’ (de Luís Rosa) conta que a situação tornava obrigatório um novo aumento de capital e que – perante o desaparecimento imediato dos investidores privados anteriormente disponíveis – a solução era a resolução ou a capitalização estatal (uma nacionalização, ainda que parcial).

Contudo, por um lado, a equipa de gestão do BES nunca pediu formalmente a capitalização pública e, por outro lado, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, disse que tal não era opção.

Em 31 de julho, é relatado no mesmo livro, o vice-governador do Banco Central Europeu (BCE), Vítor Constâncio, liga ao governador do BdP a informar que o BES será suspenso das operações de política monetária. Perante isso, Carlos Costa informa então o presidente do BCE, Mario Draghi, de que será aplicada uma medida de resolução e articula com o Governo esse processo.

O novo BES

O BES torna-se o ‘banco mau’, em que ficam os ativos considerados ‘tóxicos’ e depósitos de administradores e membros da família. É criado o banco de transição Novo Banco para onde passam os ativos ‘bons’ (muitos revelar-se-iam problemáticos) e os depósitos dos clientes.

A rápida e estrondosa queda deixa na mira auditores, poder político, mas sobretudo reguladores, em especial o Banco de Portugal e o seu governador.

Nos meses seguintes, será acusado de supervisão ineficaz, de não ter afastado Ricardo Salgado atempadamente, de ter feito pequenos acionistas e clientes do retalho acreditar no banco apesar de já saber dos problemas. Surgem então muitas críticas de diversos quadrantes parlamentares, manifestações de lesados do BES/GES (frente ao Banco de Portugal mas também frente à casa de Carlos Costa) e centenas de processos em tribunal (contra o Banco de Portugal, mas também contra Carlos Costa, pessoalmente).

“No fim de semana fui chamado de gatuno. Não roubei nada a ninguém. O Banco de Portugal não roubou nada a ninguém”, disse Carlos Costa na comissão parlamentar de inquérito, em março de 2015.

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