O Bloco de Esquerda (BE) anunciou hoje a intenção de convocar a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, ao parlamento para exigir esclarecimentos sobre o atraso na regulamentação da lei da eutanásia. Segundo o partido, o atual impasse constitui uma grave violação do Estado de Direito, uma vez que a regulamentação já deveria ter sido implementada há mais de um ano
A deputada do BE Marisa Matias foi a porta-voz desta iniciativa, recusando os argumentos apresentados pelo Governo, que tem justificado o atraso com a necessidade de esperar pelas conclusões do Tribunal Constitucional (TC). Em novembro, o TC recebeu um pedido de fiscalização sucessiva da lei, apresentado por um grupo de deputados do PSD. “É uma lei que foi votada cinco vezes e melhorada ao longo de mais de uma década de debate público”, sublinhou Matias, afirmando que a sociedade já atingiu um consenso sobre o tema.
A lei da eutanásia, promulgada em maio de 2023 pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, estabelece que a morte medicamente assistida pode ocorrer em casos em que o suicídio medicamente assistido não seja possível devido à incapacidade física do doente. No entanto, a sua implementação está travada, aguardando a regulamentação necessária para ser aplicada.
Um Atraso que Prejudica o Estado de Direito
Marisa Matias acusou o Governo de criar um impasse injustificado e alertou que a falta de regulamentação prejudica diretamente os direitos dos cidadãos. Segundo a deputada, “não há nenhum procedimento que impeça a regulamentação” neste momento, criticando a inação governamental que, na sua visão, configura um ataque ao Estado de Direito.
Esta posição surge numa altura em que várias figuras públicas de diferentes quadrantes políticos assinaram uma carta aberta em defesa da regulamentação da eutanásia. Entre os subscritores estão o ex-primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão, o ex-presidente do PSD Rui Rio, e líderes de partidos como Inês Sousa Real (PAN), Rui Tavares (Livre), e Catarina Martins (BE). A pressão para que o Governo avance com a regulamentação tem-se intensificado.
Tribunal Constitucional: Foco da Controvérsia
Apesar do consenso político alargado a favor da despenalização da eutanásia, a questão permanece envolta em controvérsia jurídica. O pedido de fiscalização sucessiva submetido pelo PSD ao Tribunal Constitucional argumenta que a legislação vai contra o “princípio da inviolabilidade da vida humana” e que não existe um “direito fundamental à morte autodeterminada”. Além disso, a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, também requereu ao TC a declaração de inconstitucionalidade da lei, após receber várias queixas fundamentadas.
Este clima de incerteza jurídica tem sido usado pelo Governo para justificar o adiamento na regulamentação, mas o Bloco de Esquerda rejeita essa posição, afirmando que já não há razões legais que justifiquem mais atrasos.
Uma Lei Esperada há Mais de Uma Década
A luta pela despenalização da eutanásia em Portugal remonta a mais de uma década de debates públicos e legislativos. O diploma atual é o resultado de um longo processo legislativo, durante o qual o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa vetou várias versões anteriores e solicitou fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional em várias ocasiões.
Agora, com a lei promulgada e aguardando apenas a regulamentação para entrar em vigor, cresce a pressão para que o Governo acelere o processo e garanta que os cidadãos possam exercer o direito à morte assistida nas condições estipuladas.
No entanto, a incerteza em torno da decisão do TC e as divergências políticas continuam a ser obstáculos a uma resolução rápida desta questão, que continua a dividir a sociedade portuguesa.